Alguns espectadores e críticos de TV não gostaram da terceira temporada de House of Cards. Ou, pelo menos, não gostaram tanto quanto gostaram das duas primeiras. Houve algumas reclamações desde o lançamento do terceiro ano: ritmo irregular, o fato de que ele pareceu preparação de terreno e pouco avançou a trama, e de que não se viu muitas maquinações políticas do casal Underwood. Compreendo essas reclamações, mas não compartilho inteiramente delas: como escrevi na minha análise daquela temporada, nela House of Cards se revelou madura, desenvolvendo mais os personagens, sobretudo Claire (Robin Wright), e também imprevisível, indo por um caminho não necessariamente antecipado por aqueles que viram o começo da série.

Mas, sejamos sinceros: foram as armações dos Underwood que tornaram House of Cards boa de acompanhar. Por mais que a série seja muito bem produzida e escrita, e por melhores que sejam os seus atores, no fundo, o grande atrativo de House of Cards permanece sendo aquele velho truque básico da TV: afinal, todo mundo gosta de ver pessoas sacaneando umas às outras, de preferencia de maneira inteligente. É o efeito Melrose Place e que também serve de combustível para outras produções televisivas, até as novelas brasileiras. Então, leitor, se você achou o terceiro ano pouco movimentado e “pior” que os dois primeiros, fique tranquilo: nesta quarta temporada, a série volta com tudo em termos de intriga e suspense. Mas também há prazeres nela para quem curtiu o estilo mais maduro da temporada anterior.

Este quarto ano se inicia com as ramificações da “guerra fria” entre o Presidente Frank Underwood (Kevin Spacey) e a sua primeira-dama, Claire. Ela não quis aceitar o papel decorativo e de pequena influência: afinal, Claire é uma cobra-criada e tão dominada pelo seu apetite pelo poder quanto o marido. Nos primeiros episódios vemos o casal tão unido do começo da série quase se tornando inimigos – e numa cena sensacional, vemos os dois chegando às “vias de fato” num sonho de Frank, com direito até a estrangulamentos e cacos de vidro. O Presidente, tão cínico e seguro de si, passa a ter medo da pessoa que mais o conhece.

Então, acontece um evento – que não merece ser estragado para espectadores futuros – que novamente altera a dinâmica da série e dos Underwood. Esse evento é espetaculoso, na tradição de House of Cards: verossímil, mas no limite entre o bom gosto e o melodramático, e este é o modo operacional da série desde o começo. Alguns espectadores até podem ver esse evento como uma tentativa de “apertar levemente o botão reset” no relacionamento entre os dois personagens principais, mas os atores fazem funcionar e o restante da temporada se beneficia dele.

Este evento é também desencadeado pelo retorno de um personagem que não víamos desde o começo da segunda temporada, e neste novo ano a série realmente fez uso das várias tramas e acontecimentos do passado. Eventos e personagens que julgávamos deixados para trás voltam à baila, e de maneira orgânica, recompensando os espectadores que acompanham o programa desde o início. Até algumas figuras já mortas reaparecem em sonhos…

Há também personagens novos nesta temporada, com ótimas adições ao elenco. Ninguém menos que a veterana Ellen Burstyn faz o papel de Elizabeth, a mãe de Claire, e imediatamente percebemos de onde vêm certos traços de personalidade da filha. Neve Campbell faz a analista política LeAnn Harvey, que se une à Claire na sua cruzada por mais poder. E Joel Kinnaman surge como o grande antagonista da temporada, o adversário republicano de Frank na vindoura eleição. William Conway e sua família são (ou pelo menos parecem ser) tudo que os Underwood não são: jovens, simpáticos e capazes de usar a mídia em seu benefício. Num diálogo, Frank compara William a “um novo JFK”, e este retruca comparando o nosso protagonista trambiqueiro com Nixon – Kinnaman facilmente se torna um oponente à altura de Spacey.

A disputada eleição entre Frank e William Conway fica para o futuro da série, mas por enquanto há muita intriga e disputas de bastidores para manter a audiência interessada. Neste ano a série discute, às vezes até de forma bastante franca, temas importantes como terrorismo (com direito a um substituto do Estado Islâmico), controle de armas e o monitoramento dos eleitores por meio do estudo dos mecanismos de busca na internet.

E os roteiros continuam a explorar e a deixar mais interessante a personagem Claire, de modo que passamos a vê-la como o equivalente de Frank, talvez até seu superior – e que não se conforma em ficar em segundo plano apenas por ser mulher. Wright é cada vez mais “androide” no papel, escondendo diante da fachada impassível da sua personagem uma mulher capaz de emoções, mas que as suprime em nome dos seus objetivos. Já Spacey continua divertidíssimo e numa comprovação de humildade, em várias vezes até cede o posto de personagem mais importante à sua co-estrela e amiga Wright – uma humildade da qual seu personagem não compartilha, aliás. Até os momentos de quebra da quarta parede na qual Spacey se dirige ao espectador voltam a ser divertidos neste ano, enquanto que em temporadas passadas muitas vezes acabavam soando expositivos e supérfluos.

Então, de certa forma esta quarta temporada alia “o melhor dos dois mundos”: continua a tendência de maturidade e a exploração das personalidades dos seus personagens, mas também faz voltar à tona as maquinações dos Underwoods – e de outras figuras também – em sua eterna busca pelo poder. E é poder o que os personagens de House of Cards almejam, não dinheiro ou influência, e nessa busca todos estão praticamente interligados: do filhinho dos Conway que chama Frank de “vampiro” com honestidade e precisão infantis; até o bom e velho Freddy (Reg E. Cathey), um dos poucos personagens “gente comum” da série, que teve a vida prejudicada por Frank e numa cena divertida, finalmente diz ao Presidente o que pensa sobre ele.

Mas essa teia na qual os personagens estão presos, este “castelo de cartas” por assim dizer, corre o risco de desmoronar com os fortes desenvolvimentos do episódio final, no qual alguns velhos fatos do passado dos Underwoods voltam à tona. E assim, nesse emaranhado de tramas e intrigas, a série prossegue, cada vez mais viciante – é até difícil resistir à tentação de se assistir todos os 13 episódios de uma só tacada… Mas House of Cards fez por merecer o adjetivo viciante, afinal, esta foi a melhor temporada até agora.