Novo curta-metragem de Augustto Gomes, “Leco” representa um dilema de parte da atual produção amazonense: o choque entre uma técnica já avançada contra uma precariedade do roteiro e das atuações. O filme possui até seus belos momentos com imagens do dinamismo de Manaus e uma montagem ágil, dando um ar moderno ao projeto, mas, quando isso precisa formar um conjunto com o conteúdo, a produção se mostra, no mínimo, sem saber o que realmente quer.

Partindo de uma premissa costumeira do cinema brasileiro da primeira década dos anos 2000, a violência urbana nas grandes cidades, “Leco” aborda a história do personagem-título (Jhoas Júnior), um jovem da periferia envolvido com o tráfico de drogas e integrante de um trio responsável por crimes executados no Centro de Manaus. Após a morte de uma senhora durante um dos assaltos, ele resolve agir sozinho para roubar um casal dentro de uma residência na área nobre da cidade. Porém, as coisas se complicam ao longo do tempo.

O primeiro minuto de “Leco” deixa uma boa impressão pelo eficiente diálogo estético com o cinema policial americano: a forte trilha com acordes de hip-hop misturada à apresentação dos personagens intercaladas com os créditos dão um ar moderno ao projeto. A fotografia de Reginaldo Tyson se mostra eficiente na ambientação e, especialmente, nas belas imagens captadas de pontos do centro de Manaus colocadas em ritmo acelerado na montagem.

Essa boa apresentação, entretanto, não se sustenta por muito tempo. “Leco” até possui méritos ao buscar um olhar mais abrangente do protagonista ao tentar entender como o trauma de uma família desestruturada e a pobreza na periferia da cidade afetaram o destino dele. Isso em época de estereótipos tão frequentes em jornais sensacionalistas e na lógica do ‘bandido bom é bandido morto’ é louvável.

O roteiro de Augustto Gomes, porém, não abrange a questão, por exemplo, aos outros integrantes do bando, especialmente, ao vivido por Paul Brown, apresentado apenas como um vilão perigoso e cruel. Neste aspecto, as tais imagens de Manaus aceleradas se mostram esteticamente belas, mas, vazias do ponto de vista narrativo, pois, nada dizem ao contexto abordado na trama. Para piorar, estes momentos tornam o filme episódico com uma parte sendo fechada para dar início ao outro trecho, o que não contribui para uma unidade narrativa. Imagine a bela crítica social e o lirismo se nesses momentos tivéssemos as crianças e adolescentes miseráveis abandonados pelas ruas de Manaus dialogando com a história de Leco…

Há ainda o conflito moral do personagem-título sobre o ato de matar. Claramente percebe-se que o roteiro trata essa questão de maneira interessante ao debater que o homicídio é encarado por Leco como o último passo para a desumanização completa e a resistência a fazê-lo é uma tentativa de preservar alguma dignidade. A transformação disso do papel para a tela, entretanto, não convence.

A sequência da facada em uma senhora em meio a um silêncio pouco crível, quase teatral, e todo o ato final em uma série de situações absurdas (todo o momento do parto é forçado ao extremo) acaba com qualquer possibilidade de levar a sério o que se passa na tela. Caso estivéssemos em uma comédia escrachada ou em um filme de fantasia ou até mesmo um drama com toques fantásticos era possível tolerar, mas, em um drama pretensamente realista como “Leco”, tira a total força do que assistimos e, consequentemente, do que ele debate.

Se os elementos narrativos e de execução não fossem problemas suficientes, “Leco” ainda apresenta atuações sofríveis como um grande empecilho. É inegável o esforço de todos os envolvidos para conseguir tornar crível aqueles personagens, mas, quando se pede uma densidade maior, esta não vem. Em uma obra ficcional, tal pecado é crucial para o sucesso de qualquer trabalho. Por fim, a trilha quase onipresente se mostra excessivamente didática, impedindo subjetividades para o espectador.

Boas intenções sobram e como experiência de aprendizado para a equipe,  “Leco” cumpre seu papel, especialmente, nos erros a serem corrigidos para o futuro. O filme, entretanto, deixa a impressão que parte da produção local segue tropeçando em problemas antigos – roteiro e transposição dele para a tela, unidade fílmica, atuações – enquanto se destaca na parte técnica – fotografia, montagem e som.

PS: o lançamento de “Leco” foi realizado na noite de sábado, dia 18 de abril, no Teatro da Instalação. No mesmo momento (por volta das 19h), na mesma região da cidade (Centro de Manaus), aconteciam outros dois eventos regionais sobre cinema: o Cine Noites do Nortes (no Centro de Artes da Ufam – o Caua) e uma edição especial do Cineclube Tudo Muda Após o Play (na sede do Coletivo Difusão). Se por um lado temos o fato muito de legal de três eventos ligados ao audiovisual local em um dia, por outro, falta um pouco mais de diálogo da classe para que possa espalhar estes eventos. Isso permite não apenas aos realizadores, mas, também, ao próprio público comparecer nestas exibições e prestigiar os filmes amazonenses. Canais não faltam para esse maior diálogo; basta usá-los.