Lucas Martins foi uma grata surpresa da Mostra do Cinema Amazonense de 2016 com “Barulhos”. Longe dos sustos fáceis, o curta de terror psicológico apostava na ambientação a partir de um clima de paranoia para trabalhar aflições sociais provenientes da insegurança urbana e dos medos naturais do obscuro. Quatro depois, agora, selecionado para a mostra competitiva do Festival Olhar do Norte 2020, o diretor retoma boa parte da fórmula do trabalho de estreia em “O Estranho Sem Rosto”. 

Aqui, acompanhamos a história de Bruno (Rodrigo Dueck), um rapaz inseguro no relacionamento com Vanessa (Talita Lima), desejando saber os passos da garota. A paranoia cresce após um comentário de um amigo dela em uma postagem no Facebook. Para piorar, ele acaba assombrado pelo tal estranho sem rosto (Guilherme Bindá), um sujeito alto vestido de terno e gravata pretos no melhor estilo Homem Invisível versão 1933. 

Com pouco mais de 10 minutos de duração, “O Estranho sem Rosto” consegue estabelecer muito bem a tensão da história pela direção e montagem eficientes. Lucas Martins confirma a habilidade na construção de atmosferas sufocantes trabalhadas de forma elegante ao cadenciar o ritmo das informações dadas ao público e também aos personagens. Na melhor sequência do curta, as descobertas feitas por Bruno no perfil da namorada são conduzidas gradualmente, sem pressa, em um constante jogo entre a tela do computador e um semblante cada vez mais desconfiado do protagonista. Isso repete-se pouco tempo depois na troca da foto do perfil de Bruno.  

JUMP SCARE? SÉRIO?

Curiosamente essa elegância se vê ameaçada justamente quando o filme mergulha nos elementos sobrenaturais. A primeira aparição até consegue ser eficiente se aliando ao espírito proposto pela abordagem de Lucas, porém, na mais chamativa presença do estranho sem rosto, o diretor apela para um jump scare dos mais apelativos possíveis e sem necessidade real de existir, quase traindo o elo criado com o espectador até então. 

Com um desfecho apressado deixando a sensação de que mais uns cinco minutos de filme poderiam ter fechado melhor a história, “O Estranho sem Rosto”, ainda que com um sabor agridoce, demonstra como a dupla Lucas Martins & Max Michel com sua veia cinéfila aguçada – vide a homenagem feita ao ‘grande’ Samuel L. Bronkowitz do ‘clássico’ “The Kentuchy Fried Movie”, de 1977, feita nos créditos finais – em promissores apostas do cinema de gênero no Amazonas. 

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