“Maria Madalena” abre com uma bela imagem da personagem-título submersa. Curiosamente, os quadros lembram alguns do recente “A Forma Da Água”. Dá para dizer que isso é uma metáfora ou síntese do que é o filme de Garth Davis: um conjunto de imagens bonitas e uma protagonista afogada em meio a uma trama que não sabe lhe dar um norte.

Davis estreou na direção de longas com “Lion – De Volta Para Casa”, filme de êxito perante a indústria, mas que já apresentava erros que voltam a aparecer neste “Maria Madalena”, como o ritmo arrastado no segundo ato e o pé no freio para não macular os personagens principais.

O roteiro da dupla Helen Edmundson e Philippa Goslett contribui para o insucesso da narrativa, já que não consegue estabelecer quem de fato era aquela mulher – para os leigos que conhecem Maria Madalena como uma prostituta que se tornou discípula de Jesus, as pistas aparentes nos diálogos da personagem com os homens de sua família acabam se revelando furadas assim que aqueles letreiros tradicionais pós-cinebiografias surgem na tela. A ideia de mostrar a história de Cristo pela perspectiva da mulher mais presente em seus últimos momentos é algo que prometia no papel, mas a execução não passa muito longe de “O Rei Leão 3: Hakuna Matata”.


“Mas a fotografia é bonita…”

Quem foi Maria Madalena, afinal? A despeito de o roteiro não conseguir responder essa pergunta, o trabalho de Davis e principalmente do diretor de fotografia Greig Fraser redime a trama fraca.

Responsável por momentos emblemáticos de “A Hora Mais Escura” e “Foxcatcher: Uma História Que Chocou o Mundo”, Fraser evidencia sempre a impotência e o quão pequena era Maria Madalena perante os homens de sua comunidade e, depois, em meio aos apóstolos de Jesus Cristo. O personagem vivido por Joaquin Phoenix é apresentado como o primeiro homem em quem Madalena consegue confiar: mostrado em closes e com o fundo desfocado, ele surge não só como o salvador de toda aquela comunidade, mas como o alento que Maria, tão destratada até então, procurava.

O filme é o último do compositor Jóhann Jóhannsson, morto no início deste ano. A trilha pesada parece acompanhar os passos da personagem, mas, espertamente, desaparece em um momento onde vemos Maria Madalena ser “batizada” à força – em uma cena que parece fazer referência a um estupro -, como se a personagem ali estivesse completamente abandonada.


Maria Madalena made in Nova York?

O grande problema do filme, no entanto, é justamente o mais aparente: o casting de Rooney Mara. A escolha de uma atriz branca para viver uma mulher do Oriente Médio já é equivocada, e quando Mara não aparece falando o mesmo sotaque que outros atores (o falar novaiorquino da atriz escapa em alguns momentos, inclusive), a situação fica ainda mais escancarada. Para completar, Mara aparece rodeada de figurantes que parecem ter realmente nascido na região da Palestina, o que só piora a escolha da atriz.

Já Joaquin Phoenix tem um trabalho mais interessante. Sim, é um casting questionável, com os olhos claros do ator emulando a imagem mais conhecida de Jesus Cristo, mas sem nenhuma identificação com o físico dos homens da Galileia. Contudo, a aparência descuidada e o olhar cansado dão uma profundidade que a caracterização da protagonista não alcança. Joaquin cria um Jesus Cristo de aura mais sombria e a química inegável com Mara fazem dos momentos em que os dois aparecem juntos os melhores da produção.

Longe de tornar este espaço em um anexo da Bíblia, mas peço permissão para uma analogia. O Jesus do Novo Testamento criticava os fariseus e escribas que limpavam o exterior do copo e do prato, mas continuavam sujos por dentro. O filme de Garth Davis não chega a esse extremo, mas é um conjunto de belas imagens e conteúdo quase que vazio. O espectador sai do cinema sem entender quem foi Maria Madalena, e quando o filme não consegue justificar a razão para a sua protagonista merecer uma história toda sua, bem… A falta de conclusão na penúltima frase desse parágrafo sintetiza o que é essa produção.