Na coletiva do último dia 19 de setembro, no Rio de Janeiro, a estrela e produtora deste “A Mulher Rei”, Viola Davis, demonstrou uma leve irritação com a pergunta de um jornalista. É que a tal questão cometia o sacrilégio de enquadrar o longa como um filme de ação. Viola retorquiu, dizendo ser reducionista encarar a obra nesses termos. O correto, segundo ela, seria dizer “drama histórico de ação”. 

Já fica claro, nesse pequeno causo, o verniz que recobre toda a empreitada: há, obviamente, um senso de auto importância dos realizadores – justificado, eu diria, dadas as dimensões e o teor do projeto dentro do cinemão contemporâneo. Mas há também uma agenda clara aqui, focada em inserir o filme como parte do Cinema com C maiúsculo, tal qual Hollywood o concebe – o que significa o coro contente das publicações mainstream e o prestígio de Oscars. 

Se o longa terá fôlego o suficiente para descolar alguma estatueta, ainda resta saber. Fato é que as primeiras reações ao filme têm sido uniformemente positivas. O que, novamente, é justo: há coisas muito bonitas de se ver aqui. Mas não dá para deixar de sentir que toda a solenidade do que está em tela engessa o que deveria ser, em contrapartida, vibrante. 

África Brasil

Mas, primeiro, o que é vibrante: os tecidos, os turbantes, os búzios, o requebrado. Estamos no reino africano de Daomé, século XIX, sob o jugo do rei Ghezo (John Boyega – que, com um mero gesto de mão, te convence de que é capaz de liderar uma nação). Ali, a general Nanisca (Davis) comanda as Agojie, unidade militar composta inteiramente por mulheres. Nanisca e sua tropa precisam enfrentar um antigo inimigo, o império Oyó, enquanto a general encara feridas do passado. 

Tudo transcorre a um oceano de distância de nossa Terra brasilis. E, no entanto, há uma relação de familiaridade, de intimidade com o que está em tela, que é latente e emocionante. Vendo aquele gingado, ouvindo aqueles cânticos, fica claro: então é isso que é o Brasil, e é daí que vem o meu jeito de corpo. 

Assim, que bom que a diretora Gina Prince-Bythewood não chafurda seu filme no lamaçal dos tiques do cinema digital. Ela e a diretora de fotografia Polly Morgan compõem quadros cheios de cor – o verde das matas é vivo e o vermelho do barro é feito sangue –, longe da homogeneidade cinza e mal iluminada dos blockbusters de hoje. 

Flertando com o prestígio

Mas não se pode dizer, contudo, que seu trabalho seja muito mais do que competente – e aqui a solenidade da coisa toda começa a despontar. Suas cenas de luta, por exemplo, se não são confusas a ponto de causar dores de cabeça (como sabemos ser o caso de certa seara do cinemão de ação), também não empolgam verdadeiramente. 

Pior: parece mesmo que a construção de tais cenas foi relegada ao trabalho posterior da montagem. Nesse caso, se ainda conseguimos discernir minimamente o que ocorre em tela, os créditos devem ir mais à montadora Terilyn A. Shropshire do que à diretora, verdade seja dita. 

Talvez isso seja culpa da tal solenidade (não se trata de criar cenas de batalha verdadeiramente imaginativas, já que nossas aspirações são mais elevadas, muito obrigado). Ou, talvez, Prince-Bythewood use essa solenidade como subterfúgio para seus próprios déficits como diretora. 

O ponto é: a rejeição de Viola ao rótulo de “filme de ação” (uma bobeira) denota um engessamento. E se essa rejeição engessa, é porque reduz toda aquela demonstração vibrante de vida a um outro molde pré-delineado: o do Cinema de Prestígio (com maiúsculas, sim, senhor). 

(O que me faz pensar em Spike Lee, que penou até receber sua primeira estatueta dourada, justamente porque seus filmes são trôpegos, requebram, atiram para todos os lados, gingam. Em outras palavras, não se conformam)   

“A Mulher Rei” é um filme que sabe jogar o jogo hollywoodiano, no fim das contas. O que não significa dizer que a força do que põe em tela não nos atravesse. Enquanto primeiro passo, talvez seja o suficiente.