É sempre bom poder saudar a chegada de mais um realizador sério nas hostes do cinema amazonense, que, mesmo sem a vitrine privilegiada e o entusiasmo do Amazonas Film Festival (que eu espero que volte algum dia), continua vivo e produzindo. Isso dito foi desapontador descobrir que O Gato, novo curta do diretor Lucas Simões (vencedor do Festival Um Amazonas pelo curta Luiza), repete vícios e amadorismos da produção local que só parecem confirmar a estagnação artística do cinema amazonense, que vem andando em círculos (com exceções, claro) desde a interrupção daquele evento.

Na divulgação, O Gato se anunciava como o primeiro filme de época do cinema amazonense, e o próprio realizador celebrou a conquista que isso representava para a nossa produção. De fato, o curta chama a atenção pelo cuidado com a direção de arte (do sempre talentoso Arnaldo Barreto), usando prédios históricos como cenário e figurinos que remetem à época onde se passa a história (fim do século XIX, no auge da riqueza do estado com a exploração da borracha). A fotografia de Bruno Simões também é cuidadosa, com planos bem construídos e uso coerente da iluminação, sem a irritante confusão de luz e sombra na mesma sequência que se vê em tantos outros filmes locais.

Infelizmente, por outro lado, O Gato não tem muito a oferecer além disso. A trama acompanha as crueldades de Constantino Gactus (Wilson do Carmo), implacável negociante de diamantes na Manaus da belle èpoque, que é também uma espécie de Dr. Mabuse amazônico: sempre um passo à frente dos inimigos, “o Gato” desfecha vinganças letais contra todos. O investigador Faukner (Espírito Santo), porém, vê a chance decisiva de incriminá-lo ao enquadrar seu sócio, Edgar (Thiago Alencar), e fazer o filho (Filipe Gomes) se aproximar da herdeira de Gactus, Catarina (Jessy García), que voltou da Espanha para assumir seu posto ao lado do “Gato” – e fazer jus à frieza paterna.

o gatoA premissa é boa, mas o desenvolvimento do roteiro não traz surpresas – Gactus é praticamente intocável – e as atuações excessivamente teatrais, somadas à má captação de som (duas constantes no cinema amazonense), prejudicam muito o impacto emocional das cenas. O uso ambicioso de música clássica, que poderia ser outro diferencial do filme, também escorrega na medida: mais momentos de silêncio (ou uma trilha mais sutil) poderiam fazer a diferença nos clímaxes, como no duelo entre Constantino e Faukner.

Mas a maior frustração, mesmo, é com o elenco. Apesar dos seis meses de preparação de Lucas e sua equipe, o tom pomposo das atuações soa artificial e estilizado demais para a tela. Talvez as falas empostadas tenham sido consideradas uma opção coerente à abordagem “de época”, como se os cidadãos amazonenses de 1888 falassem como personagens de um folhetim romântico. Só Espírito Santo, como Faukner, e um pouco Thiago e Jessy, soam naturais em cena. O maior prejudicado é Wilson, que, com seu personagem já pouco complexo e invencível na trama, resvala na caricatura.

Ao final, O Gato e o diretor Lucas Simões mostram ambição e um saudável cuidado, principalmente na parte técnica, mas descuidam de outros aspectos fundamentais que fazem um filme satisfatório. Não dá pra culpar a falta de recursos: operando nas mesmas condições, diretores como Francis Madson e Rafael Lima chegaram a resultados dignos de figurar em qualquer festival nacional. Com toda a alegria de poder recepcionar Lucas Simões e a produtora Lens no cenário amazonense, O Gato ainda não é um cartão de visitas capaz de fazer jus às ambições e influências de seu diretor.