A autoimagem é um campo minado. Em tempos de rede social, há uma disputa tácita entre uma vida saudável disfarçada de obsessão pelos padrões impostos e aqueles que buscam hábitos melhores de fato, enquanto permanecem body positive (e aí isso pode ser magro ou gordo, vai de cada um). Nesse intervalo, é fácil entender como jovens ficam cada vez mais preocupados em entrar na calça 36 (34, por que não?) e, na busca desse “ideal”, chegam a medidas extremas. Logo, é nobre que um filme da Netflix aborde um distúrbio alimentar como a anorexia. O triste é que, na tentativa de se comunicar com um público maior, o projeto se perde.

“O Mínimo Para Viver” é eficiente ao apresentar sua protagonista, Ellen (Lily Collins), como uma jovem criativa, porém em ebulição no que diz respeito à autoimagem. Com uma estrutura familiar em frangalhos (a mãe está em outra cidade, o pai é ausente e a madrasta atrapalha, mesmo querendo ajudar), ela pula de tratamento em tratamento, até que se interna em uma clínica coordenada pelo médico William Beckham (Keanu Reeves), que promete uma mudança nos métodos tradicionais de terapia.

Dirigido pela estreante Marti Noxon, “O Mínimo…” segue a estrutura de filmes como “Garota, Interrompida”, “28 Dias” e “Um Estranho no Ninho”, que mostram o ponto de vista do paciente “peixe fora d´água” em uma clínica de reabilitação. A película, contudo, se assemelha bem mais a “28 Dias” do que a seus colegas mais superiores, já que não consegue dar profundidade ao tema que aborda.

O maior pecado de “O Mínimo…” é justamente estrutural. Não há interesse pelos personagens que rodeiam Ellen na clínica – ali temos outros anoréxicos e também jovens bulímicas. O único que ganha certo destaque é Luke (Alex Sharp), um bailarino que sofre do mesmo distúrbio que Ellen e que logo vira seu interesse amoroso. A dinâmica entre os dois funciona, graças à química entre os atores e ao carisma de Sharp, mas há pouca interação com os outros personagens da clínica – a única atriz negra do elenco principal, por exemplo, é reduzida a pouquíssimas falas e ao estereótipo de “gordinha sassy” (ver também: personagens da Octavia Spencer).

Nisso tudo, o que se destaca mesmo é o esforço (físico, inclusive) de Lily Collins. A atriz tem, pela primeira vez na carreira, um papel que lhe desafia, e dá conta do recado ao retratar Ellen como uma pós-adolescente com uma revolta interior muito maior do que ela deixa transmitir. É pelo trabalho dela que “O Mínimo Para Viver” encontra uma forma de dialogar com quem sofre de problemas de autoimagem, com distúrbios alimentares ou não. Lily tem ainda bons momentos nas cenas em que divide com Liana Liberato e Carrie Preston, que interpretam suas meia-irmã e madrasta, respectivamente.

Preston, aliás, faz bom uso do pouco que lhe é dado e confere um quê de humanidade a uma mulher que não sabe que é preconceituosa e que tenta de tudo para ajudar a enteada. A dubiedade das intenções dela (ela o faz para se livrar de Ellen? Ela realmente quer ajudar a menina?) é trabalhada com empenho por Preston, e, à medida que o arco da protagonista vai se fechando, vamos entendendo cada passo das duas personagens, uma em relação à outra.

Ainda que atrapalhada, Marti Noxon é uma voz interessante ao cinema independente norte-americano. A forma com que passeia pelo tema principal da trama e o leva a subtemas (família, redes sociais) ainda é verde, mas há um equilíbrio que não torna “O Mínimo para Viver” nem panfletário e nem romantizador, dicotomia ainda não vencida em produções da própria Netflix (um exemplo é a série ‘13 Reasons Why’).

No fim das contas, a mensagem que “O Mínimo Para Viver” quer passar é maior que os tropeços do filme em si. Entre tropeços e personagens com pouco a fazer, o filme conta uma história necessária a quem ainda acredita que magreza pode ser adjetivo de elogio ou insulto.