O Poderoso Chefão: Parte 2 é um filme sobre pais e filhos, sobre as semelhanças e também as diferenças que existem entre eles. Muitas vezes os filhos não querem repetir alguns dos comportamentos dos seus pais quando viram adultos e tentam se tornar pessoas diferentes e independentes. Mas há alguma coisa, chamemos de uma estranha genética, meio que inescapável, e ela acaba contribuindo para que, muitas vezes, a próxima geração siga o mesmo caminho dos seus predecessores.

Certamente foi assim com Michael Corleone, vivido por Al Pacino. No começo do primeiro Chefão, ele dizia à sua então namorada Kay (Diane Keaton) que não era igual à sua família mafiosa e nunca faria parte dos seus negócios. Ao final daquele filme, porém, ele demonstrava ter aprendido bem as lições de seu pai, o “Don” Vito Corleone (Marlon Brando), ao se vingar de todos os inimigos da família e consolidar o poder da sua organização.

Quando a segunda parte da trilogia começa, reencontramos os Corleones em 1958. As mentes por trás dos filmes – o autor do livro O Poderoso Chefão Mario Puzo e o cineasta Francis Ford Coppola, que escreveram o roteiro – continuam a linha temática do anterior e aprofundam ainda mais o paralelo entre a Máfia e a força do capitalismo americano. Michael, como todo homem de negócios bem sucedido, quer expandir e, junto com o misterioso Hyman Roth (Lee Strasberg, fundador do Actor’s Studio e mestre de Pacino, Brando e tantos outros), agora faz parte de um “grupo de investidores americanos” em Cuba a fim de uma “parceria com um governo amigo”, segundo o próprio Roth. Por um tempo, Cuba realmente foi um paraíso para os investimentos americanos, e Coppola e Puzo foram buscar nos fatos históricos inspiração para a trama.

Porém, os rebeldes de Fidel Castro se tornam uma ameaça cada vez maior a esses planos, e velhos problemas vindos de Nova York – personificados na figura de Frank Pentangeli (Michael V. Gazzo) – levam a um atentado contra os Corleone. Michael fica cada vez mais paranoico e frio, e com o tempo descobre a verdade sobre quem o traiu.

Mas O Poderoso Chefão: Parte 2 não conta apenas a história de Michael. Num lance de gênio da parte de Coppola e Puzo, nesta continuação eles fazem um paralelo entre Michael e a juventude do seu pai. Então no filme vemos, no início do século, como o menino Vito Andolini chegou à Nova York, doente, quase mudo e virtualmente sem nada, e além disso fugido de uma jura de morte na sua cidade natal, Corleone, na Itália. Um funcionário da imigração entende errado seu sobrenome e batiza o menino como Vito Corleone. Alguns anos depois, já adulto e interpretado por Robert De Niro, Vito ganha a vida no Brooklyn, em Nova York, e começa a dar seus primeiros passos no submundo do crime.

Em essência, enquanto a Hollywood de hoje se mostra obcecada com franquias, há 40 anos Coppola realizou uma obra sem igual, ao mesmo tempo prequel e continuação do seu sucesso anterior. As transições entre as linhas temporais são criativas e adequadas tematicamente: por exemplo, num momento um raccord sonoro, do choro do bebê Corleone para o apito de um trem em movimento, nos leva de uma história para a outra. Noutro momento os rostos de Al Pacino e Robert De Niro compartilham a tela por alguns segundos numa lenta fusão, quando ambos observam seus filhos pequenos.

Esse segmento com a juventude de Vito Corleone faz parte do livro original O Poderoso Chefão de Mario Puzo, mas foi cortada do primeiro filme por questões de tempo. Incluído aqui, ele só reforça o quanto o momento histórico mudou. Se a Máfia americana no início do século ainda tinha um quê de ingenuidade e romantismo – afinal, um dos primeiros crimes de Vito, em parceria com o jovem Clemenza (Bruno Kirby), é roubar um tapete para a sua sala de estar – essa noção se perde completamente na história de Michael.

Bem de acordo com a desilusão presente no cinema americano da época, O Poderoso Chefão: Parte 2 olha para o passado com um pouco de saudosismo e o presente é negro e cínico. Isso também é representado pelos elementos fílmicos. As sequências do passado são fotografadas num tom amarelado por Gordon Willis e a trilha sonora é mais lírica e romântica. Afinal, uma das mais belas cenas do filme é aquela na qual a multidão de imigrantes – pequeno Vito entre eles – se aglomera na amurada do navio que os trouxe do Velho Mundo para ver a Estátua da Liberdade. Já nas cenas do presente, o visual é sombrio e fica ainda mais escuro à medida que a história progride. Com o tempo uma escuridão passa a dominar os ambientes onde os Corleone vivem – nas cenas finais, a direção de arte transforma o escritório de Michael em algo que mais parece uma caverna.

No presente, tudo é desilusão: Michael tenta proteger sua família, mas sua paranoia e sua psicopatia latente afastam a todos. Ele chega a ser investigado pelo FBI e Coppola filma as audiências de forma a evocar o período do macarthismo, a “caça aos comunistas” promovida pelo senador Joseph McCarthy nos anos 1950. Vale lembrar que, em 1974, no ano de lançamento do filme, o presidente americano Richard Nixon se viu forçado a renunciar a seu mandato ao ser pego espionando o partido democrata no escândalo de Watergate. Paranoia e desilusão eram sentimentos muito presentes nos Estados Unidos da época, e acabaram aparecendo de forma poderosa no filme de Coppola. No terceiro Chefão, um dos personagens diz que “só na América” uma história de triunfo como a de Vito Corleone seria possível. Bem, pode até ser, mas neste segundo filme Coppola e Puzo nos mostram a deturpação desse sonho americano. “A família Corleone costumava ser grande”, diz Pentangeli ao advogado da família Tom Hagen (Robert Duvall) no fim do filme, e o paralelo é claro.

E esse paralelo entre passado e presente é também trazido à vida pelas interpretações magníficas de Robert De Niro e Al Pacino. De Niro fala quase que exclusivamente em dialeto siciliano e adota uma voz rouca e um temperamento calmo. Mas também transmite a inteligência quase felina de Vito, assim como sua frieza – matar é um ato de negócios para ele, quase sempre. O publico realmente acredita estar vendo uma versão mais nova do personagem de Marlon Brando do primeiro filme, mas De Niro não imita Brando. Ele recria Don Vito e seu trabalho de composição do personagem é perfeito.

Já Pacino, que sempre se caracterizou por ser um ator expansivo, atua para dentro como Michael e vai progressivamente retirando a humanidade do personagem. Enquanto Vito é até simpático, Michael se transforma numa figura cada vez mais fria e inexpressiva – até o rosto de Pacino se assemelha a uma máscara em alguns momentos, noutros seus olhos desaparecem em meio à escuridão da fotografia de Willis.

No entanto, além de De Niro e Pacino todo o elenco de O Poderoso Chefão: Parte 2 é sensacional: a Kay vivida por Diane Keaton aos poucos abre os olhos em relação ao marido, Strasberg insinua um mundo de rancor debaixo da sua fachada ponderada, e John Cazale tem a chance de transformar o Fredo do primeiro filme numa figura trágica. No seu confronto com Michael, fica claro o ressentimento dele para com seus parentes, afinal os Corleone são uma família (quase) como qualquer outra… Esse subtexto por trás da história ajuda a tornar mais rica a experiência de se assistir a esses filmes, assim como a capacidade de Coppola em preencher esse universo com figuras críveis e que parecem ter uma grande história por detrás. Ninguém parece atuar nos filmes O Poderoso Chefão, mesmo nos papéis pequenos. Todos parecem vivos e autênticos.

E sobre a tragédia dos Corleone, é interessante perceber como Coppola se nega a seguir o caminho da nostalgia. No final, apesar das diferentes trajetórias do pai e do seu filho, o diretor nos mostra que as sementes da destruição de Michael Corleone sempre estiveram presentes, de uma forma ou de outra – aquela “estranha genética” referida no início deste texto. Da ultima vez em que vemos o jovem Don Vito, ele retorna à Itália para se vingar do Don Ciccio, agora um idoso que mal consegue escutar ou se movimentar. Vito consegue matá-lo, mas sua vingança tem um efeito inesperado e destrutivo, como elas geralmente têm – seu amigo Tommassino é ferido e nos outros filmes da trilogia, não o veremos andar normalmente de novo.

Vito podia ser um menino, mas não esqueceu ou perdoou o que aconteceu com seus pais. Assim como Michael não consegue perdoar Fredo. Não há perdão no universo de O Poderoso Chefão, mesmo depois da emocional cena entre Fredo e Michael no velório de Mama Corleone – o olhar de Pacino para seu capanga Al Neri (Richard Bright) nesta cena é de gelar o sangue e um dos melhores e mais sutis momentos da carreira do ator. Por mais que tenha tentado se distanciar do seu pai, Michael não conseguiu. Ele herdou sua inteligência, mas também sua incapacidade de perdoar e esquecer. Somos todos filhos dos nossos pais para o bem e para o mal, Coppola parece dizer, e de repente fica claro que o passado não era assim tão bom em comparação com o presente. Era apenas um pouco menos complicado, e não menos sombrio.

 Robert De Niro em O Poderoso Chefão - Parte 2 (1974)