Qual o sentido de um reboot ou uma continuação? Trazer algo novo, dando novos rumos com respeito ao material original ou simplesmente ser uma cópia requentada e, no máximo, mais tecnológica do filme anterior? Com a nostalgia em alta entre o público, filmes como “Jurassic World”, “A Bela e a Fera”, “Oito Mulheres e um Segredo” não se envergonham em ser mais do mesmo, chegando ao ponto de repetirem falas e sequências sem a menor cara de pau.

Por isso, a chegada de “O Retorno de Mary Poppins” faz-se tão necessária: a continuação do clássico musical de 1960 estrelado por Julie Andrews e Dick Van Dyke respeita a essência e estrutura do original, mas, consegue ter vida própria, utilizando as referências como uma homenagem e não uma prisão impeditiva para novos caminhos. Somos brindados com uma aventura divertida, caprichada visualmente, de números musicais belíssimos mesmo sem ser tão emocionante quanto poderia.

Dirigido por Rob Marshall (“Chicago”, “Caminhos da Floresta”), O Retorno de Mary Poppins” se passa novamente em Londres durante a Grande Depressão, em 1929. Crescidos, os irmãos do primeiro filme, Michael (Ben Whishaw) e Jane (Emily Mortimer), enfrentam a possibilidade de perderem a casa da família para o banco comandado pelo impiedoso William Weatherall Wilkins (Colin Firth). Os filhos de Michael tentam diversas formas de ajudar o pai e, em meio a todo este caos, Mary Poppins (Emily Blunt) chega dos céus para mostrar a beleza da vida e a força da união familiar.

A produção pode até dar uma impressão de vermos um repeteco do original. Sem querer renegar as origens, o roteiro de David Magee mantém a base e, por isso, lá estão os adultos preocupados com as finanças enquanto a família fica em segundo plano, Mary Poppins chegando em meio ao caos, a Londres sombria, uma personagem excêntrica maluquinha (Meryl Streep se divertindo em cena é contagiante), as figuras reais misturando-se as animações cheias de cores e vívidas, crianças invadindo o banco e por aí vai. Rob Marshall ainda distribuiu pequenas homenagens ao longa de 1960 como a presença dos pinguins fofinhos em uma cena de dança, a pipa e até mesmo a faixa feminista utilizada por Glynis Johns surgida discretamente em uma caixa no início do filme.

Porém, como dito no refrão de “A Cover is not the Book” em que precisa-se dar uma olhada no conteúdo muito além da capa antes de julgá-lo, “O Retorno de Mary Poppins” consegue imprimir pequenos conceitos que enriquecem a trama. Compreendendo o mundo cínico em que vivemos no qual nem mesmo as crianças escapam da seriedade, a produção brinca com a ideia de que tudo visto no primeiro filme não passasse de um sonho como chegam a dizer Michael e Jane. “Ela nunca explica nada”, diz Jack (Lin-Manuel Miranda) como um convite para os garotos – mais relutantes em aceitar logo de cara a fantasia – e ao próprio público a embarcar neste mundo sem tanta hesitação.

A construção do antagonista de “O Retorno de Mary Poppins” também se diferencia do original. Se no filme de 1964, a intransigência de Sr. Banks era típica de um vilão de desenho, quase caricatural, aqui, Michael traz a fragilidade de um homem perdido abalado pela morte da esposa aliado à nossa memória do garotinho fofo. Já Colin Firth mostra elegância suficiente para viver um sujeito asqueroso travestido de bom moço. Além disso, como todo filme da Disney, as lições de vida não faltam e aparecem de forma delicada como acontecem na forma de lidar com traumas na canção “The Place Where Lost Things Go” e sempre observar diferentes pontos de vista em “Topsy”. Mesmo com tudo isso, os personagens não

Mesmo com a comparação inevitável e até injusta com Julie Andrews, Emily Blunt está ótima como Mary Poppins incorporando a postura mais rígida com a delicadeza que brota rapidamente. A atriz ainda surpreende ao soltar a voz na parte da sequência da Tigela Musical. Pena não a vermos dançando em sua plenitude, pois, a montagem com cortes excessivos impede que tenhamos uma noção completa da coreografia. Já Lin-Manuel Miranda pode não imprimir a energia de Dick Van Dyke (cá entre nós, impossível), mas, também canta demais e ainda nos brinda com um momento de rap/hip-hop à la “Hamilton”.

Com figurinos e direção de arte cheio de cores, “O Retorno de Mary Poppins” pode até falhar com dois deus ex machina na parte final, mas, coloca o público para acreditar na fantasia novamente. Tudo isso sem ser uma cópia sem personalidade do longa original de 1964.