Com a chegada das redes sociais nunca estivemos tão próximos e, ao mesmo tempo, tão distantes. Faço essa irônica analogia por ser interessante observamos a interação das pessoas com essas ferramentas de comunicação digitais. Algumas pessoas se desprendem da timidez e compartilham suas vidas a cada momento com todos os seus contatos, seja através de fotos, vídeos, eternizando-os em suas timelines ou temporariamente em seus stories.

Não é de hoje que o público tem total interesse em conhecer e acompanhar o dia-a-dia de alguém, mas o que podemos admitir é que antes não era tão banalizado, pois havia um impedimento tecnológico inexistente nos dias atuais. Além disso, os canais de televisão são abarrotados de reality shows dos mais diversos tipos desde anônimos trancados em uma casa ao quem é o melhor cozinheiro. Duas décadas antes, porém, o cinema trouxe o seu exemplar: “O Show de Truman”.

 Responsável por sucessos como “Sociedade dos Poetas Mortos” e “Mestre dos Mares”, Peter Weir exibe aqui, mais uma vez, um controle total e absoluto de um filme não menos que espetacular. A história do roteirista Andrew Niccol (“Gattaca”) acompanha o jovem Truman Burbank (Jim Carrey), sujeito pacato que mora em uma pequena cidade, casado com uma esposa linda, com casa própria e emprego fixo. Apesar de não ter motivos para reclamar da vida, ele sente que existe algo de estranho. Truman não está errado, porém, ele não sabe que é vigiado 24 horas por dia pelo mundo inteiro já faz 30 anos. Sua vida é transmitida através de uma gigantesca cidade cenográfica desde o seu nascimento e é o programa de TV de maior sucesso de todos os tempos.  A partir da situação apresentada, vamos testemunhar as descobertas de Truman e suas reações.

É interessante a abordagem de Weir ao literalmente fazer o mundo de Truman se desfazer em uma primeira oportunidade. A cena em que um refletor do teto do estúdio cai próximo ao protagonista não apenas inicia uma série de incidentes posteriores, mas alimenta uma própria teoria do caos.

Christof (Ed Harris) interpreta o diretor e deus do programa – sua voz vinda dos céus deixa clara sua divindade ali – e praticamente podemos considera-lo um “pai” para Truman, que não faz ideia da existência de tal criatura. Longe de ser um vilão, o personagem poderia ser classificado como um homem perdendo o controle aos poucos do projeto de sua vida e, ao mesmo tempo, vendo e tentando impedir seu filho de descobrir a verdade e, posteriormente, querendo sair do ninho. Totalmente devoto a Truman, podemos perceber as nuances do personagem quando o mesmo trata os que estão ao seu redor de maneira implacável e onipotente, mas quando enfim fala com o rapaz, mal consegue conter a emoção.

Em “O Show de Truman”, Jim Carrey vive o melhor momento de sua carreira, sendo o ponto alto do trabalho a descoberta do mundo de mentiras do reality-show. Ver o olhar perdido e triste do ator ao saber que tudo ao redor era mentira, os amigos não são de verdade, a esposa que ele sempre chamou por um nome não era sua esposa de verdade, o próprio nome dele era falso, nos faz sentir o vazio do personagem, associando, inevitavelmente, à Caverna de Platão.

O roteiro de Niccol ainda aproveita para criticar aqueles que esquecem suas próprias vidas para acompanhar a dos outros. Duas senhorinhas, por exemplo, envelheceram em frente à TV acompanhando o programa. O roteiro ainda diverte com a inserção de merchans mais absurdos durante o cotidiano de Truman, que ingenuamente nem se dá conta, outra sacada de gênio.

“O Show de Truman” foi um filme certo para uma época, um inteligente estudo de personagem nos moldes dos mais inspirados episódios de “Além da Imaginação”.  Um excelente exemplo de filme para análise do comportamento humano quando exposta a uma situação absurda.

Por fim, fica a pergunta: como deixaram Jim Carrey fora do Oscar de Melhor Ator em 1999?