Para mim, a melhor coisa dos filmes de James Cameron é a “pegada” do diretor. Sempre o achei uma figura muito interessante: um bacharel em física e ex-caminhoneiro que gostava de desenhar e um dia botou na cabeça que ia fazer filmes, sem nunca ter passado na porta de uma faculdade de cinema. Bem, filmes ele fez, começando no cinema B em variadas funções até conceber alguns dos maiores das últimas décadas.

Cameron é um cineasta muito técnico, exigente demais, sempre inquieto e encarando desafios para expandir os limites da parte tecnológica do cinema. Seus filmes sempre têm narrativas bem simples e nenhum vai ganhar Oscar por ter um roteiro inovador ou com grande profundidade dramática. Mas, puxa, seus filmes são envolventes, divertidos e com “pegada”.

Esse é um conceito muito pessoal, admito, mas sinto que em todos os seus filmes, Cameron pega o espectador pela mão – às vezes o agarra – e não solta até os créditos finais. É um cinema sensorial, de emoção e não da razão, mas com um domínio narrativo que nem todos os diretores do cinemão possuem. As histórias dos seus filmes podem ser bem básicas, mas nas mãos dele, funcionam.

Quanto a Avatar (2009), que só agora está ganhando continuação pelas mãos do próprio Cameron: é um filme dele sim, 100%. É interessante revisitá-lo agora, depois de tanto tempo, e ver como se encaixa na obra e na visão do diretor.

REFLEXO DE ALIENS

Avatar, por exemplo, é quase um reflexo no espelho de um dos seus filmes do passado, Aliens: O Resgate (1986) – meu favorito dele, aliás. Nos dois filmes, temos um grupo de humanos indo a um planeta distante em busca de um objetivo, e entrando em contato com as formas de vida locais. Em Aliens, essas formas de vida eram maléficas; em Avatar são os bondosos Na’Vi, humanoides azuis que vivem em harmonia com a natureza do seu mundo, Pandora. Em Aliens, a heroína Ripley (Sigourney Weaver) passava todo o filme tentando evitar ser transformada em casulo por um dos horrendos monstros ao seu redor; em Avatar, sem dúvida refletindo o pessimismo em torno da nossa espécie na vida real, Cameron faz com que o herói Jake Sully (Sam Worthington) aceite rapidinho deixar de ser humano para se tornar um dos Na’Vi, dentro do seu corpo “avatar”.

E se o filme dos anos 1980 era sombrio e claustrofóbico – também devido às limitações técnicas e orçamentárias da época – em Avatar, o diretor teve toda a liberdade para ser Deus e criar um mundo, com fauna e flora características, toda a cultura Na’Vi e a humana do futuro. E o fez de forma ampla e vasta: é chover no molhado falar da perfeição técnica do filme. À época, Cameron parecia mesmo um passo à frente; hoje, depois de quase 15 anos de blockbusters computadorizados, o filme ainda impressiona, mas menos do que no lançamento.

ODE AO SONHO

A história em si, de Avatar, atrai críticas por não estar à altura do espetáculo visual. Não é que ela seja ruim, é só… simples, uma fantasia que mostra tanto o pior da humanidade como de certa forma reafirma a superioridade do homem branco sobre povos nativos – infelizmente, quem quiser consegue enxergar esse subtexto lá. O herói Jake troca com prazer sua identidade de homem branco por uma de humanoide azul, mas não deixa de ser o mais “badass” de todos os guerreiros de pele azul. O próprio Cameron dá um tiro no pé ao escalar atores negros e de origem indígena para viver os Na’Vi por meio de captura de performance. Porém, graças ao cenário de ficção-científica, o diretor/roteirista consegue levar essa narrativa um passo além ao fazer o herói se transformar, renascendo de fato como membro dos Na’Vi.

E não se pode deixar de observar que a história em si é bem arquetípica e se encaixa numa tradição do gênero ficção-científica, remontando desde ao “John Carter e a Princesa de Marte” de Edgar Rice Burroughs. Aliás, um dos motivos para o fracasso do próprio filme John Carter (2012) da Disney era que Cameron já tinha contado aquela história alguns anos antes…

Enfim, as críticas às vezes fazem as pessoas ignorarem algumas ideias muito boas do roteiro, como o fato do protagonista praticamente “dormir” quando adentra seu corpo de avatar. Metaforicamente, ele “sonha” o filme todo, e se a realidade de Pandora é um sonho, então, de certa forma, Cameron transforma o próprio filme, e seu cinema, numa ode ao sonho. Apropriado a um cineasta que começou desenhando pinturas em vidro – elas próprias, um artifício, um simulacro – para filmes B do produtor Roger Corman, alimentado apenas pelo desejo de contar suas próprias histórias.

Claro, esse subtexto pode passar despercebido para quem quiser apenas se envolver na história. E ela pode ser simples, com alguns diálogos bobos às vezes, mas é brilhantemente visualizada e bem defendida pelos atores. As melhores atuações são de Sigourney Weaver, voltando a trabalhar com o diretor como uma espécie de “musa”, e de Stephen Lang como o vilão – graças ao papel, o veterano das telas ganhou uma década e mais para interpretar caras maus em filmes desde então.

O GRANDE FEITO DE JAMES CAMERON

Avatar, de James Cameron

O espetáculo, aliás, se estende à ação. Cameron é também um dos maiores diretores de ação da história do cinema, e aqui prova de novo essa perícia com o terço final e a batalha em Pandora. As cenas de ação em Avatar – e dos filmes do diretor em geral – têm uma clareza e um senso de geografia que ainda atrapalha cineastas da arena dos blockbusters.

Faz parte da “pegada” abordada antes. Não há sutileza nos filmes do diretor, não há densidade psicológica, mas existe um senso de empolgação provocado por imagens impactantes, e de poder narrativo, e essas qualidades estão presentes em Avatar. Hoje em dia aqueles predicados lá de cima são em certa medida exigidos também do cinemão comercial – se os filmes conseguem ter ou não, aí são outros quinhentos, mas o fato é que público e crítica anseiam por isso. Talvez por ter sido feito nesta época em que filmes tentam – e às vezes fingem – ter profundidade, Avatar ressoe menos, seja lembrado pelas pessoas com menos carinho do que, digamos, os dois Exterminador do Futuro ou Titanic (1997).

E se essas qualidades são o suficiente para garantir a este filme as várias continuações que o cineasta quer produzir e já tem engatilhadas, em breve vamos descobrir. Mas o fato é que esta primeira viagem a Pandora não deve ser o filme da vida de ninguém – Exterminador do Futuro ou Titanic ou Aliens conseguem ser – mas é um lembrete do assombro do poder do cinema em criar mundos e nos levar para longe do que chamamos “realidade”. E na história do cinema, não são tantos os que sonharam tão grande, ou pensaram mais longe, do que James Cameron.