Quando se relembra a carreira do diretor Pedro Almodóvar, os pontos altos se destacam. Filmes mais recentes “Fale com ela” (2002), “Abraços partidos” (2009) e “A pele que habito” (2011) são hoje uma marca de maturidade artística do espanhol e uma amálgama dos elementos que identificam seus filmes, principalmente para uma geração mais nova de cinéfilos que talvez não conheçam muito bem a forte veia cômica e erótica do início da carreira de Almodóvar com bizarrices maravilhosas como “Pepe, Luci, Bom e outras garotas de montão”, por exemplo. É justamente essa veia que “Os amantes passageiros” (2013) retoma em sua filmografia, ainda que de maneira irregular.

A trama do filme acompanha um grupo de passageiros num avião que sai da Espanha rumo ao México. Porém, o trem de pouso da aeronave apresenta problemas e obriga o piloto a voar em círculos sobre a Espanha até que possa fazer um perigoso pouso de emergência. A maioria dos passageiros é sedada durante esse tempo, exceto o excêntrico grupo da classe executiva, formado por tipos como comissários de bordo gays, uma sensitiva virgem, uma cafetina masoquista, um ator, um casal drogado e um executivo. Ao se darem conta da possibilidade de morrerem no pouso, eles acabam revelando segredos de suas vidas.

O problema de “Os amantes passageiros” é o seu ritmo. O filme começa embalado, com momentos engraçados como o funcionário do aeroporto twitando que está se “esvaindo em sangue” depois de ter sido atropelado por um carro que leva malas (dirigido por Penelope Cruz, em rápida aparição), e também com a hilária demonstração dos procedimentos de segurança feito pelos comissários de bordo já no avião.

Porém, personagens como a cafetina Norma Boss (Cecilia Roth) e o discreto Sr. Mas (José Luis Torrijo) demoram muito para serem devidamente desenvolvidos no curto espaço de tempo do filme (90 minutos). O desnecessário braço da trama fora do avião com a ex e a atual namorada do ator Ricardo Galán (Guillermo Toledo) também desestabiliza o clima de diversão. Outro ponto que pode desagradar parte do público é a repetição excessiva de momentos claramente vulgares ou piadas de duplo sentido. Na primeira ou segunda vez, elas arrancam risadas, mas depois de um tempo, deixam de contribuir com o clima de comédia.

Por sorte, esse clima é recuperado com o impecável trio de comissários gays. Jossera (Javier Cámara), que não consegue mentir depois de um trauma, o devoto Fajas (Carlos Areces) e o “bom de copo” Ulloa (Raúl Arévalo) são os responsáveis pelos diálogos mais absurdos e da já antológica cena em que dublam a música “I’m so excited”, das Pointer Sisters, só para descontrair um pouco antes de (talvez) morrerem durante o pouso de emergência.

Apesar dos problemas, em “Os amantes passageiros”, até mesmo os pontos negativos reverberam algo de interessante. Exemplo disso é a cena um tanto explícita de sexo, que lembra momentos da fase mais inicial da carreira de Almodóvar e ecoa até mesmo o péssimo “Kika”. Outro ponto é o contraste entre a personalidade das duas personagens femininas, Norma e a vidente Bruna (Lola Dueñas), que lembram um pouco o trio de “Pepi, Luci, Bom…”. Os créditos, cenários e figurino hiper coloridos, aliados à trilha sonora, também ressurgem como elementos kitsh que tanto marcaram os filmes de Almodóvar nos anos oitenta.

Botando os prós e os contras do filme na balança, “Os amantes passageiros” está longe de ser um dos melhores filme de Almodóvar. Porém, dado o talento do diretor, um filme irregular do espanhol ainda é mais bacana que muitos filmes que costumamos ver em cartaz em Manaus, principalmente no gênero comédia.

os amantes passageiros cartaz