Toda vez que é indagado sobre “Os Oito Odiados”, Quentin Tarantino faz questão de dizer que o faroeste é o seu antepenúltimo filme. Com apenas mais dois projetos no horizonte, é curioso ver que o diretor tem se apegado ao western e que essa investida tem revelado um Tarantino cada vez mais maduro como diretor ao mesmo passo em que ainda recheia o roteiro de impagáveis tiradas. Infelizmente, essa maturidade é ameaçada por uma megalomania que não lhe deixa cortar cenas desnecessárias e que matam o ritmo do filme.

Se desse para resumir “Os Oito Odiados” em uma só frase, eu diria que ele é um mix de “Cães de Aluguel” e “Django Livre”. Mas é claro que o filme é mais do que isso. Na história, os “odiados” são caçadores de recompensa que não podem confiar em ninguém e que, ainda assim, precisam sobreviver a um jogo de gato e rato em meio a um espaço confinado. Soou familiar? Pois é, a sinopse já dá a pista de que a história tem um quê do primeiro filme dirigido por Tarantino. Mas, assim como no último trabalho do diretor, a trama se desenrola como um faroeste e tem no retrato do preconceito racial daquela época um dos seus pilares.

E finalmente, há pequenos ecos de “Kill Bill”, já que Tarantino nos apresenta aqui uma das suas personagens femininas mais marcantes. Daisy (Jennifer Jason Leigh) pode não ser icônica quanto a Noiva, mas a personagem é – junto com o Major Marquis Warren de Samuel L. Jackson – um dos motivos que fazem “Os Oito Odiados” ter uma conexão com o espectador. Jason Leigh rouba a cena desde os primeiros minutos de projeção.

Abusada, destemida e rabugenta, ela forma um trio impagável com Jackson e Kurt Russell (este literalmente acorrentado a ela). Há, sim, um certo exagero nas agressões físicas às quais a personagem é submetida, mas a forma com que Daisy revida e sai por cima nos faz vibrar por ela. Uma das atrizes mais subestimadas de sua geração, Jason Leigh não desperdiça a chance e cria uma personagem que consegue fazer frente a todos os outro ”odiados”. Quando Daisy está em cena, o espectador só quer olhar para ela.

O trabalho de Jason Leigh, Jackson, Russell e Walton Goggins (que rouba o filme em diversos momentos, na pele do divertido xerife Chris Mannix) é evidenciado por algo no qual Tarantino é mestre: o roteiro. Recheado de diálogos divertidos, o trabalho do maior fã de sangue do cinema atual é enriquecido no último ato, quando ganha tons teatrais. Tudo isso ajudado por um design de produção primoroso ao reproduzir claustrofobia e insegurança dentro das quatro paredes do chalé onde os odiados estão.

E claro, não dá para continuar esse texto sem falar das duas coisas que mais tem chamado a atenção em relação a esse filme. O primeiro é a trilha de Ennio Morricone. Compositor que dispensa apresentações a quem gosta de cinema, o italiano voltou ao western com uma trilha inédita para Tarantino, seu fã de carteirinha. Mas, se as composições de “Os Oito Odiados” não possuem o mesmo impacto das que Morricone produziu em seu auge criativo ao lado de Sergio Leone, o trabalho aqui vale pela rima com os grandes faroestes sessentistas. As músicas de Morricone são como um personagem-extra, sobretudo no início do filme e na apresentação dos personagens.

A segunda coisa é a escolha de Tarantino em filmar para projeção em 70 mm. Infelizmente, o Brasil não possui salas de cinema compatíveis com essa opção. Contudo, a sessão do filme para a imprensa em São Paulo ocorreu em uma sala IMAX. Com isso, a bela fotografia de Robert Richardson abusa da profundidade de campo nas cenas de neve e, com cores mais terrosas, agiganta os personagens já confinados no chalé.

Com tudo isso, a nota ruim mesmo é constatar que, assim como “Django”, “Os Oito Odiados” padece de sérios problemas de ritmo. Claramente, o diretor ainda não conseguiu conceber um filme conciso nesse sentido após a morte de sua fiel escudeira e montadora, Sally Menke. Se o terceiro ato é explosivo e sanguinolento, o segundo é arrastado e tira o interesse do espectador.

Assim que os créditos começam a rolar após a última e brilhante cena, não dá para não sentir uma pontinha de tristeza de saber que esse pode ser um dos últimos filmes de Tarantino. Na coletiva de imprensa após a cabine, uma repórter perguntou ao diretor se esse era o seu “8 1/2”, a sua reflexão sobre a própria obra. Tarantino disse que não, mas a sensação que fica é essa, a de um autor encantado por criar e por juntar a criação nova com experimentos antigos. Essa mistura vai fazer falta. E que venham os dois últimos (com uma montagem mais dinâmica, por favor!).