“A vida é feita de escolhas”, e também determinada pelo acaso. Essas parecem ser as principais ideias por trás do seriado Ozark, nova produção da Netflix. A primeira frase é dita algumas vezes pelos personagens, em outros momentos da temporada é o acaso, puro e simples, que determina o rumo dos acontecimentos. Há um pastor na série, um sujeito honesto que subitamente se vê enredado na teia de corrupção criada pelo protagonista. A certa altura o pastor diz que “deve existir um Deus, porque o Diabo existe, e é você”, referindo-se ao protagonista. Ao final da temporada não temos assim tanta certeza de que existe um deus, mas o diabo, com muitos tons de cinza, esse está bem na frente do espectador.

Esse diabo é Martin Byrd. Interpretado por Jason Bateman, ele inicia a série com um monólogo sobre o dinheiro, e na cena seguinte o vemos no trabalho – ele é consultor financeiro – e assistindo a um vídeo de conteúdo sexual… Enquanto está com uns clientes! Mais tarde descobrimos que esse vídeo não é um pornô qualquer, é uma gravação da esposa de Martin, Wendy (Laura Linney), cometendo adultério. Essa, aliás, é uma das facetas mais interessantes do personagem: ele não parece interessado em sexo e até rejeita alguns avanços durante a série, apenas se mostra movido a dinheiro. Mesmo assim, ele fica perturbado com a traição da mulher. Seria… Amor? Os roteiros e a interpretação de Bateman não oferecem resposta definitiva por quase toda a temporada.

As vidas de Martin e sua família viram de cabeça para baixo, porém, quando o milionário e violento traficante de drogas para quem ele e seu sócio lavam dinheiro descobre que está sendo roubado. Literalmente sob a mira de uma arma, o esperto Martin convence o traficante a deixa-lo se mudar com a esposa e filhos para a região das montanhas Ozarks, no Estado do Missouri, para implantar um esquema ainda maior de lavagem de dinheiro envolvendo a vasta propriedade à beira de um lago. Ele só escapa por estar com um folheto do lago no bolso. Mero acaso… Porém, a chegada dos Byrds vai perturbar o delicado equilíbrio ecológico, e criminoso, da região.

É curioso o paralelo que a série dos criadores e produtores Bill Dubuque e Mark Williams estabelece entre seres humanos e animais. O paralelo fica claro quando, num dos episódios, o pequeno Jonah Byrd (Skylar Gaertner) assiste a um documentário na TV sobre uma espécie de pássaro introduzida num ambiente novo, e como essa espécie destrói seu novo ecossistema. O paralelo se estende aos urubus frequentemente vistos na propriedade dos Byrd. Ozark apresenta uma visão bem seca e direta sobre os personagens e o mundo em que habitam, mundo este eternamente apresentado nos tons frios e azuis da fotografia dos episódios.

É um daqueles seriados onde quase todos os personagens se dividem entre os “ruins” e os “piores”, e os vilões são terríveis mesmo – o destino meio inexplicado de uma personagem poderia até soar como preguiça dos roteiristas, mas acaba adicionando ao senso de perigo em torno dos vilões nos episódios finais da temporada. Ficamos do lado dos Byrd apenas pela virtude das espertezas de Marty e Wendy e não podemos deixar de admirar essas características dos personagens. Já faz tempo que Laura Linney é uma das mais confiáveis atrizes do cinema americano, e aqui ela tem mais um ótimo trabalho, assim como Bateman. Mais conhecido por seus papéis em comédias, o ator usa sua persona simpática e um pouco cínica para mostrar um lado sombrio e frio que ainda não havia explorado com tanta intensidade antes. Bateman também se mostra um diretor de mão cheia, comandando momentos muitos tensos com precisão nos dois primeiros episódios e no último da temporada.

Além de Linney e Bateman  os jovens Gaertner e Sofia Hublitz também merecem destaque nos papeis dos filhos do casal e é curioso notar como eles se mostram afetados pelos atos dos pais: a adolescente Charlotte, vivida por Hublitz, é a pessoa mais sensata e normal da série; já Jonah, com o tempo, começa a mostrar sinais de comportamento estranho incentivado pelos crimes dos pais. Além disso, dentre as famílias da região afetadas pela chegada e negociatas dos Byrd – é uma série sobre conflitos familiares, afinal – há os Langford, bandidos e moradores de trailers. Os homens Langford não são muito inteligentes, mas Ruth (Julia Garner) acaba virando uma espécie de filha adotiva dos Byrd, compartilhando com eles o interesse pelo crime e pelo dinheiro. A jovem Garner acaba se destacando como uma das melhores do elenco, chegando a roubar algumas cenas de Linney e Bateman.

De fato, o aspecto familiar é o mais fascinante de Ozark. Aparentemente, família que lava dinheiro do tráfico unida, permanece unida, e a força daqueles personagens que na verdade ainda se amam, ao menos um pouco, serve como contraponto à visão sombria e a alguns momentos realmente fortes do seriado. Por causa disso, Ozark acaba sendo uma das melhores novas séries de 2017, um neo-noir com personagens amorais, belas paisagens e uma visão sombria do mundo. Além disso, é uma série que pega o espectador pelo pescoço e não larga. Bloodline, também da Netflix, também se encaixava nessas descrições. Que Ozark tenha melhor sorte…