Sejam bem-vindos, leitores do Cine Set, à nossa cobertura semanal de O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder, superprodução da Amazon Prime que nos levará de volta à Terra-média imaginada pelo escritor britânico J. R. R. Tolkien (1892-1973), e que foi trazida para as telonas na visão de Peter Jackson nas suas trilogias O Senhor dos Anéis e O Hobbit. E tome superprodução nisso: a série já começou a ganhar manchetes em todo mundo simplesmente quando foi anunciada que seria a mais cara da história da TV ou streaming. Só esta primeira temporada teria custado cerca de 460 milhões de dólares: para você ter uma ideia, leitor, a HBO gastou 90 milhões na última temporada de Game of Thrones.

Bem, dinheiro pode comprar valores de produção, mas compra uma boa história bem contada? A julgar por estes dois primeiros episódios, em termos narrativos Os Anéis de Poder parece passar bem nesse departamento, sim. O dinheiro gasto está na tela: há momentos nestes dois episódios, dirigidos pelo cineasta J. A. Bayona – de O Impossível (2012) e Jurassic World: Reino Ameaçado (2018) – feitos para fazer cair o queixo do espectador. Não há paralelo em termos de qualidade de escala de efeitos, em termos de TV ou streaming. Mas felizmente, para além disso, parece que Bayona e os showrunners e roteiristas J. D. Payne e Patrick McKay têm algo interessante para nos contar.

MOSAICO ENTRE TOLKIEN E JACKSON

Eles pegam a deixa da trilogia de Jackson e iniciam o seu O Senhor dos Anéis com uma narração de Galadriel (Morfydd Clark), a elfa que foi vivida nos filmes por Cate Blanchett. Aqui, ela está jovem, milhares de anos antes das aventuras de Frodo ou Bilbo Bolseiro. Estamos na Segunda Era da Terra-média, um período de relativa paz para muitos povos, mas não para os elfos, que iniciam uma guerra contra o senhor das trevas, Morgoth. O conflito dura séculos, mas o mal é vencido. Porém, não totalmente, pois o discípulo de Morgoth, Sauron, desaparece, não sem antes causar a morte do irmão de Galadriel. Ela começa a jornada em busca de vingança, e se torna o centro da série neste início. A atuação intensa de Clark – atriz revelada pelo bom terror Saint Maud (2019) – e a personagem servem como âncora para o espectador.

Mas há outros personagens na Terra-média também. Acompanhamos Nori (Markella Kavenagh), a curiosa membro dos Pés-Peludos – ancestrais dos hobbits – que se depara com um misterioso Estranho (Daniel Weyman) que literalmente cai do céu. Há ainda Arondir (Ismael Cruz Córdova), um elfo rebelde que sente algo bem forte pela humana Bronwyr (Nazanin Boniadin) e acaba investigando outro mistério junto com ela. E seguimos também a jornada de Elrond (Robert Aramayo, que faz uma versão mais calorosa do personagem vivido por Hugo Weaving nos filmes) que o levará ao reino dos anões.

Como se pode ver, a série é um mosaico, assim como os livros de Tolkien e os filmes de Jackson. O maior mérito destes dois primeiros episódios não são apenas as boas cenas de ação – nem são tantas assim – ou alguns momentos de quase terror, ou os magníficos efeitos visuais, a fotografia ou o design de produção, embora estes sejam sim superlativos. O mérito mesmo é o de manter a Terra-média como algo grandioso, onde não cabe apenas uma história, e ao mesmo tempo evitando que o espectador se perca no processo. Embora não estejamos mais na tela grande, a escala permanece a mesma.

E essas histórias são envolventes, pelo menos até o momento. O espectador sente o amor sufocado entre Arondir e Bronwyn. Quando Galadriel olha para a câmera num momento decisivo perto do final do primeiro episódio, como se olhasse para nós, a série quase reconhece o nosso papel para dar importância a essas histórias. Particularmente, nem acho Tolkien um escritor tão bom assim, mas ele inegavelmente criou o maior mundo fantástico da literatura. E a série continua a tradição de traduzir esse mundo de maneira sem igual, agora incluindo um pouco mais de diversidade e de personagens femininas fortes, o que não faz mal algum.

Ora, a série não deixa de ser baseada nos apêndices de “O Senhor dos Anéis”, com mais alguns elementos de “O Silmarillion” e outros textos de Tolkien. Se Os Anéis de Poder já demonstra ser possível extrair tanto de alguns pequenos elementos, então melhor nos prepararmos, porque essa nova jornada promete.