Adaptação da peça teatral de mesmo nome de Maria Adelaide Amaral, “Querida Mamãe” é a mais nova realização do diretor Jeremias Moreira Filho, responsável pelo filme “O Menino da Porteira”, o drama quebra o jejum do brasileiro depois de longo período sem realizar nada para o cinema. Com roteiro assinado por Jaqueline Vargas, a trama é protagonizada por Selma Egrei e Letícia Sabatella, respectivamente, mãe e filha na tela.

O filme acompanha a médica Heloísa (Sabatella), completamente frustrada na profissão que exerce, vivendo um casamento infeliz com um cara abusivo, além de não conseguir manter um diálogo com a mãe e a filha. Nesse contexto desanimador, ela conhece em um de seus plantões, a artista plástica Leda (Cláudia Missura), que agradecida pelos cuidados da médica, oferece pintar um retrato seu. Com a aproximação, as duas acabam se relacionando, o que desencadeia uma crise familiar ainda maior pela não-aceitação do relacionamento. Contudo, a descoberta da grave doença de Ruth (Egrei) restabelece os ânimos entre mães e filhas.

De início, a condução do enredo deixa a entender que a nova relação entre Heloísa e Leda como o ponto principal a ser explorado no filme. Contudo, esse plano acaba de lado para dar espaço para ao real propósito da história: o complexo vínculo entre mãe e filha. É nessa falsa impressão de abordar dois temas profundos que a construção se perde um. “Querida Mamãe” tenta explorar essa teia de problemáticas, todas oriundas da relação materna fracassada. Infelizmente, nenhum dos elementos prospera, pois não há real aprofundamento em nenhum deles.

A violação física constante nas brigas com o marido e a filha são introduzidas, mas nunca finalizadas, além de não compreender porque tamanho distanciamento com àquela. De outro lado, o convívio conturbado com a mãe cai no superficial pelos diálogos sempre exaltados. Parece querer dizer muitas coisas, mas no fim não diz nada. Nenhum dos personagens gera empatia, com exceção da empregada doméstica Cleusa (Graça Andrade), alvo constante das abordagens grosseiras de Heloísa. A tentativa de transmitir informalidade e intimidade não supera a hostilidade sem sentido da médica.

Aliás, a personagem de Letícia Sabatella é construída sob a maioria dos adjetivos infelizes usado para definir uma mulher que certamente não segue o esperado. Isso é, inclusive, projetado também em como ela se apresenta visualmente. Sempre verborrágica, mal-humorada, usando roupas escuras e sem vaidade. O diretor coloca peso nessa imagem, tanto é que a medida que Heloísa começa a reencontrar felicidade com sua nova paixão, as roupas ganham cores mais claras e vivas, o cabelo ganha contorno, porém tudo isso só remete a um discurso atrasado. Esse recurso tem sentido na montagem teatral e até teria aqui também, não fosse a construção fraca da protagonista.

O que é feito com essa personagem é o que mais incomoda: a médica é o problema. Todas as falhas são concentradas nela, colocando-a como a “reprimida fonte dos conflitos de todos”, mas olhar e tratamento verdadeiro sobre quem reprimiu e reprime não acontece de fato. Heloísa é o caso da sexualidade reprimida desde sempre, tanto pela família conservadora, quanto pela necessidade de agradar, a vida infeliz é reflexo desses elementos. A abordagem desse tópico de extrema importância é outra falha resultado da falta de dimensão da questão, o permitir a sexualidade na vida adulta é tratado com descuido, além de ser deixado para escanteio no decorrer do longa sem qualquer conclusão.

É nítido a intenção do diretor em manter certa teatralidade na execução da trama, no entanto, a visão distanciada dessa conjuntura prejudicou a eficácia da representação. A relação homossexual da filha seria compreensível como mero elemento para eclodir o motivo do filme, não fosse o descaso com o desenrolar dessa relação que simplesmente sai de cena sem porquê. Os conflitos de gerações parecem reduzidos à discursos inflamados, os quais não chegam ao espectador como reconhecimento daquilo comum às relações humanas. Infelizmente, um emaranhado de situações expostas sem peso algum.