Não há como escapar: todo filme moderno que abordar o tema “serial killers” vai inevitavelmente ficar na sombra de dois jovens clássicos que viraram marcos desse tipo de obra nos anos 1990: O Silêncio dos Inocentes (1991) de Jonathan Demme, e Seven (1995) de David Fincher. Seven, em especial, parece uma influência forte em Os Pequenos Vestígios, suspense do diretor John Lee Hancock que tenta trazer o suspense com assassinos em série de volta ao cinema – ou no caso, ao streaming da HBO Max, onde ele acabou sendo lançado nos Estados Unidos devido à pandemia.
De fato, nos últimos tempos foram a TV e o streaming que levaram a uma ressurgência no tema, com seriados como Mindhunter, Hannibal e True Detective chamando atenção, e várias séries documentais fazendo sucesso na Netflix ao abordar os crimes reais de famosos assassinos psicóticos. Essas produções comprovam que, quando bem abordado, esse tema não sai das nossas mentes, e é porque assassinos em série mexem com as nossas cabeças, nos intrigam, nos repelem e fascinam alternadamente.
E mexer com cabeças é o que ocorre em Os Pequenos Vestígios. Na trama do filme, também roteirizada por Hancock, Denzel Washington – que já tem uma experiência com serial killers no cinema com O Colecionador de Ossos (1999) – vive Joe Deacon. Descobrimos ao longo da história que ele já foi um detetive de Los Angeles, mas caiu em desgraça e agora cumpre pequenas tarefas para a polícia de Bakersfield. Estamos em 1990, e por acaso Deacon se descobre na posição de ajudar um jovem agente do FBI, Jim Baxter (Rami Malek), numa investigação de assassinatos em série que está aterrorizando a região. Com o tempo, a investigação os conduz ao esquisitíssimo Albert Sparma (Jared Leto), que se torna seu principal suspeito. Mas ele é mesmo o homem certo? Deacon diz que são “as pequenas coisas”, os detalhes, que fazem a diferença, que determinam a culpa ou inocência de um suspeito. E durante a sua convivência, Deacon e Baxter colocarão essa filosofia à prova.
O diabo realmente está nos detalhes, como se diz. Os Pequenos Vestígios é um filme a que se começa a assistir com entusiasmo e durante boa parte da sua duração realmente parece a um passo de se transformar em um ótimo filme. Mas nunca acontece. É estranho, porque ao pesquisarmos um pouco sobre o filme, descobre-se que Hancock escreveu o roteiro lá nos anos 1990 e só agora ele foi produzido. Talvez isso explique a sensação de “nada de muito novo” a respeito do longa. Ele realmente parece um daqueles thrillers dos anos 1990 que costumávamos rever no Supercine algum tempo depois do lançamento no cinema.
Hancock conduz a história com competência e uma calma que também parece pouco característica do cinema de 2021 – e é verdade que ele vem se tornando um artesão esmerado de Hollywood. Seus últimos filmes – Fome de Poder (2016) e Estrada Sem Lei (2019) – foram acima da média, o tipo de narrativa clássica hollywoodiana bem feita que não consegue deixar de cativar quem curte e sente falta desse tipo de produção. Em termos de direção, Os Pequenos Vestígios é para lá de satisfatório: o ritmo é bom, o clima sombrio do início é envolvente e nunca abandona a história, o trabalho de encenação e condução dos atores é inteligente e forte.
SEM TENSÃO
O filme não alcança voos maiores, ironicamente, por causa dos pequenos detalhes do roteiro, então, Hancock também é parcialmente culpado. A figura do “policial com problema do passado” virou um clichezão, assim como o batido “policial jovem e policial velho que não se dão bem no início, mas depois viram parceiros”. Isso guarda mais do que uma mera semelhança com Seven, e despertar constantes lembranças de um filme melhor raramente faz bem a qualquer produção. Além disso, o aspecto meio “procedural da TV” do trabalho de investigação que vemos no filme também já virou o padrão de qualquer seriado policial de hoje em dia. E o longa comete o maior pecado de um filme de suspense: a história se desenvolve sem urgência, o que o deixa sem muita tensão. O gás do filme vai se esvaziando até o final, que acaba deixando no espectador uma sensação insatisfatória.
O trabalho dos atores é o que eleva Os Pequenos Vestígios em alguns momentos. Washington é soberbo em cena: sério, intenso e concentrado, ele carrega o filme e nos mantém assistindo. É graças a ele que o filme, ao menos, entretém o espectador. Já Leto, que hoje em dia parece incapaz de fazer um personagem que não seja estranho, se entrega à bizarrice e faz de Sparma uma figura realmente incômoda e perturbada, mas ainda com um pezinho assustador na realidade. Entre esses pólos, porém, Malek se mostra hesitante em sua atuação. É dele o papel mais difícil, e o ator infelizmente não corresponde: o ganhador do Oscar por “Bohemian Rhapsody” não oferece quase nada e some diante da meticulosidade de Washington ou do histrionismo de Leto. Ele não convence realmente como agente do FBI obcecado, e o impacto do final do filme não bate com tanta força no espectador, em parte, por causa dele.
E o fato do filme não atingir o espectador meio que resume Os Pequenos Vestígios: tinha ingredientes para ser ótimo, mas acaba sendo apenas mediano, justamente um daqueles que víamos no sábado à noite, perfeitamente aceitável, mas que não fica na memória do público. É um esforço até louvável, mas que mirou no Seven e acertou no Supercine.
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