Ao iniciar esta crítica, preciso fazer um elogio à série de filmes adaptados dos games Resident Evil para o cinema: a coerência. São poucos exemplares que conseguem manter o nível de enganação, ruindade e caos narrativo como estabelecido pela franquia desde o lançamento do primeiro filme em 2002, O Hospedeiro Maldito. Sim, Resident é uma das séries mais lucrativa do horror, ainda que seus dois últimos exemplares – incluindo este, a pior abertura da saga – não obtiveram a bilheteria esperada pelo estúdio, sinais claro de degaste da fórmula frente aos fãs. O original teve sua importância por permitir o upgrade do subgênero de zumbis na década de 2000 (sem ele, talvez não existisse a série Walking Dead) e estabelecer uma heroína girl power no âmbito dos filmes de games.

Para um fã como eu das obras de mortos-vivos e apreciador dos jogos survival horror da série, é frustrante ver o resultado final do primeiro filme e demais continuações, de desperdiçarem por completo a ótima mitologia conspiratória e atmosférica de horror dos jogos em troca de um filme de ação genérico, distante da essência dos games. São quinze anos e cinco continuações no gatilho que mostram que não houve nenhuma evolução ou ousadia nos filmes sob a batuta de Paul W. S. Anderson, o clone barato de Michael Bay e primo pobre do célebre P.T. Anderson.

Resident Evil 6 – O Capítulo Final não decepciona e mantém a tradição de entregar mais um capítulo ruim, com os mesmos problemas de texto e construção das imagens dos filmes anteriores. Se você é um fã ávido por explosões ou cenas de ação que pouco têm serventia a narrativa e aprecia a fórmula criada por Anderson desde início, com certeza irá adorar o novo capítulo, me considerando um chato de galocha. Bom, vida que segue.

Após um breve resumo dos filmes anteriores (um dos bons acertos de Anderson que ajuda a relembrar enredos esquecíveis elaborados por ele mesmo), acompanhamos Alice (Milla Jovovich) em Washington, que recebe a informação da Rainha Vermelha, a inteligência artificial da Umbrella, sobre a existência da cura para o T-Vírus em Raccoon City, localizado no laboratório da Colmeia (cenário do primeiro filme), que acabaria de vez com a praga dos zumbis da terra. Enquanto tentar retornar à cidade, a heroína reencontra com Claire Reddfield (Ali Larter, apagada) enquanto é perseguida por Dr. Isaacs (Iain Glenn) e seu capanga Wesker (Shawn Roberts, apagado²), além dos monstros criados pela Umbrella.

Pelo trailer, havia a esperança que este último exemplar caminharia para o entretenimento descerebrado, um autêntico prazer culposo. Ledo engano. Capítulo Final evidencia mais uma vez a falta de visão de Anderson em oferecer a qualidade que a marca exige. Se por um lado, há o esforço do diretor de tentar se aproximar do patamar mais realista nas lutas e cenas de ação – abandonando o estilo fantasioso dos outros longas – pelo outro, ele se perde pelos excessivos cortes nos planos de imagens, chegando ao absurdo de cada cena de ação ter um corte a cada 10 segundos, deixando a maioria incompreensível – esse recurso exagerado soa até como um transtorno obsessivo compulsivo do diretor, por utilizá-lo em até sequências mais calmas, fora da ação.

É um dos usos mais desonestos de 3D, que é piorado por 80% do filme se passar a noite ou em lugares escuros, dificultando ainda mais você identificar o que ocorre na tela. Neste aspecto, Mr. Anderson parece fazer uma competição particular com Michael Bay para saber quem mais abusa da montagem picotada por segundo e não vou negar que um filme fictício voltado para uma possível rivalidade entre os dois “visionários” do cinema de ação, seria mais interessante de acompanhar que toda a série cinematográfica dos games.

Com um trabalho visual tão sofrível, o roteiro se torna um dos menores problemas. É verdade que ele é superior em comparação ao texto de Retribuição e Anderson acertar em criar um elo de ligação com o original, provocando um sentimento de nostalgia entre o presente e passado aos fãs da série, que é percebido nas cenas que acontecem dentro da Colmeia, a visita ao corredor de laser estimula muito esta sensação. Porém, é perceptível a falta de coerência do roteiro em respeitar as situações apresentadas nos outros longas. É difícil aceitar a mudança da Rainha Vermelha, que durante toda a série foi a inimiga principal, e neste último episódio, tornar-se aliada apenas como artifício de roteiro. Outro aspecto é o próprio Plot-Twist ou MacGuffin, muito mal construído, cuja revelação sobre o passado de Alice é contraditória, onde em nenhum momento nos outros episódios, vimos qualquer indício que direcionasse para isso.

Falando nisso, este sexto capítulo sugere que as soluções dos problemas de Alice já estavam no local do primeiro filme (a colmeia), que leva ao seguinte questionamento: qual a necessidade de 4 filmes, se tudo se resume ao primeiro e último filme? O descaso da série com suas próprias continuações pontua a sua enorme fragilidade. Deixa claro também, que em nenhum momento, Anderson tinha noção ou um planejamento adequado do que queria realizar com a mitologia da série, se preocupando apenas a cada filme em elaborar uma história ordinária, sem conectá-la ao universo da franquia. Uma pena porque o roteiro do filme, apresenta um tema atual pertinente que é o fundamentalismo religioso observado na figura do Dr.Isaacs, contudo a premissa é apenas arranhada na superfície pelo longa.

Essa inabilidade de estruturar o roteiro, também resvala em personagens rasos, sem qualquer personalidade, muitos próximos dos mortos-vivos figurantes do filme. No elenco, Milla continua com o seu habitual carisma de sempre, ainda que dramaticamente continua aquém de convencer. Quem se destaca um pouco, é Iain Glen que faz aquele tipo de vilão caricato, exagerado e divertido como se espera de um guilty pleasure.

Logo, Resident Evil 6 – O Capítulo Final serve para ilustrar que Anderson não apenas desperdiçou o universo rico da série dos games como atropelou a própria coerência narrativa cinematográfica da saga quando a criou em 2002. Fez uma salada mista indigesta entre ação, ficção científica e horror, na qual nenhum dos três elementos aponta qualidade. O baita ponto positivo que você deve levar em conta sobre este derradeiro episódio, é que ele representa finalmente (eu espero) o fim da série. É aquele ditado máximo: Pau que nasce torto, morre torto. Pelo menos, Assassin´s Creed tem um ótimo parceiro de game para não passar vergonha sozinho em 2017.