Terrence Frederick Malick nasceu em 1943 em Ottawa, Illinois, ou Waco, Texas. Confuso? Esta é só a primeira das muitas incertezas que cercam a vida do homem, um dos mais misteriosos e reclusos diretores americanos. Surgido em meio à geração conhecida como “New Hollywood”, que trouxe temáticas e um approach europeu ao cinema clássico americano, Malick logo se notabilizou como autor de scripts e diretor.

Mas até entre os colegas – gente como Francis Ford Coppola, Martin Scorsese e Woody Allen – Terry sempre foi um sujeito estranho, singular. Seus filmes trazem uma carga personalíssima de existencialismo, filosofia cristã (de Heidegger e Kierkegaard) e paixão pela natureza, além de uma visão transcendental dos dilemas humanos. Acima de tudo, porém, está uma inteligência cinematográfica poderosa.

Seus filmes não se parecem com nenhum outro. Não têm pressa em se desenrolar, permitem todo tipo de digressões, e suas tramas, não importa se é um filme de época ou de guerra, são pontos de partida para considerações complexas sobre a natureza, a vida e as angústias humanas. Por toda essa singularidade e coerência, fica difícil tachar os filmes de Malick de “melhores” ou “piores”.

Para tornar a minha tarefa ainda mais difícil, sua carreira se divide em duas fases bem distintas – os primeiros filmes, feitos nos anos 1970, notadamente mais diretos e enxutos, e aqueles feitos a partir de 1998, quando  diretor voltou do exílio francês com Além da Linha Vermelha. Entre as duas, não se nota uma “evolução”, no sentido de melhora, do artista.

Não.

Malick já começou pronto, maduro, perfeito. E o segundo Terry veio igualmente completo, mas com outro estilo, que pouco lembrava aquele primeiro. Portanto, mais do que dizer se tal filme é ou não é “bom” – taí um diretor que desafia essa classificação –, a Filmografia de hoje se limita a dar o caminho das pedras, para os interessados em conhecer sua obra.

Portanto, vamos lá.

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Terra de Ninguém (1973)

O primeiro filme de Terrence Malick já apresenta, à perfeição, todas as características que marcariam o seu trabalho nas décadas seguintes: a fotografia primorosa, contrastando a maldade humana à indiferença plácida da natureza; o roteiro cheio de questionamentos ousados; a montagem não-linear; e a brilhante direção de atores. Em Terra de Ninguém, ele junta todos esses elementos na história de um jovem (Martin Sheen) que, um belo dia, mata o pai da namorada (Sissy Spacek) e dá início a uma série de assassinatos pelos Estados Unidos. Primeiro e melhor exemplar da fase inicial de Malick, mais enxuta que a outra, posterior. Tudo funciona tão bem que o resultado, me desculpem, não poderia ser outro: obra-prima, filme indispensável da “New Hollywood”. Prêmio de Melhor Diretor em Cannes. Nota: 10

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Cinzas do Paraíso (1978)

Este filme é mais um show de concisão e propósito. A fotografia, merecidamente premiada, de Nestor Almendros e Haskell Wexler, toda rodada à luz da aurora ou do entardecer, as imponentes imagens dos trabalhadores no campo, as interpretações de Sam Shepard, Richard Gere (em seu primeiro filme) e Brooke Adams, tudo contribui para o conjunto impecável. Mas a trama mais convencional, sobre um triângulo amoroso malfadado, e a semelhança entre as técnicas empregadas neste filme e em Terra de Ninguém fazem com que ele perca, na comparação com o antecessor. Mesmo assim, um filmaço. Nota: 9,0

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Além da Linha Vermelha (1998)

Depois de simplesmente sumir por 20 anos, período em que morou na França e voltou a estudar filosofia, Terrence Malick retornou aos filmes com estrondo: uma trama de guerra, o contraste mais radical já apresentado por ele entre a brutalidade humana e a natureza impassível. Mas Além da Linha Vermelha, por inaugurar um novo estilo, mais livre e poético, do diretor, ainda se ressente de uma certa insegurança, que Malick tenta esconder usando dezenas de atores famosos e investindo nos efeitos. Ambientado na campanha americana do Pacífico, uma das mais sangrentas da 2ª Guerra Mundial, Além da Linha Vermelha, com todos os defeitos, ainda é repleto das qualidades tão peculiares de seu diretor, e certamente melhor do que a maioria dos “clássicos”, assim chamados, de tantos contemporâneos menores. Martin Scorsese, outro gigante do cinema, considera esse o segundo melhor filme da década de 1990 – tai um cara de quem eu não me atrevo a discordar. Nota: 8,0

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O Novo Mundo (2005)

Sete anos depois (ou seja, num pulo, pros padrões de Malick), o segundo produto da fase “madura” do diretor leva o seu olhar para o terreno do mito: a história de Pocahontas e John Smith, o casal que é a síntese e a origem de toda a cultura americana. Novamente, porém, Malick parece estar à procura de um tema que dê conta do seu estilo ao mesmo tempo exuberante e introspectivo. O Novo Mundo, que às vezes peca pelo excesso de teatralidade, e outras pela dispersão da história, é rico nas imagens plácidas, no uso da música de Mozart, no olhar elegíaco sobre a terra, mas simplesmente não consegue manter a coesão ao longo de suas quase três horas de projeção. Um filme brilhante nos detalhes, mas inconsistente no todo. E Colin Farrell simplesmente não está bem. Nota: 7,5

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A Árvore da Vida (2011)

Quando alguns já acusavam de Malick de preciosismo, por inserir suas considerações filosóficas, seu ritmo meditativo, em filmes que não se prestavam para tanto, o diretor retornou com outro trabalho magnífico. A Árvore da Vida é tão rico em ideias, em considerações profundas sobre o universo e o destino do homem, que só consigo imaginar outra obra comparável, em escopo e ambição: 2001 – Uma Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick. Por aí já dá pra avaliar a grandeza do filme. A trama é mínima: um homem (Sean Penn) tenta conciliar a própria existência, as alegrias e o sofrimento uma vida inteira, com a ordem imutável, indiferente, da natureza. Parece complicado? E é, mas a sinceridade de Malick, bem como o ritmo inebriante das imagens, acabam tragando você para o mundo criado no filme. A Árvore da Vida não é uma obra para ser compreendida em toda a sua extensão, mas sim para ser habitada, explorada. Uma coisa eu posso garantir: do lado de cá, o mundo (e vocês aí fora) parece uma coisa sublime. Nota: 9,0

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Amor Pleno (2012)

O último trabalho do diretor é mais um banho no mar de questionamentos e sensações que marcam a sua fase “madura”. Desta vez explorando sentimentos de amor e religiosidade, Amor Pleno entrelaça as vidas de homens (Ben Aflleck, Javier Bardem) e mulheres (Olga Kurylenko, Rachel McAdams) às voltas com relacionamentos, seja com um novo parceiro, seja com o antigo, seja com Deus. O filme é também o mais enxuto do diretor desde, talvez, Dias de Paraíso, mostrando que a câmera exploratória, a edição elaborada e a ausência de script, métodos levados ao extremo em A Árvore da Vida, podem ter sido o fim de uma jornada. Mesmo assim, Amor Pleno ainda está longe de ser um filme “direto”, ou “acessível”, em termos comerciais, como os dois primeiros eram. Resta destacar que é um trabalhos quase tão bom quanto A Árvore da Vida, guardadas as proporções mais modestas, que o filme inaugura, na obra do diretor, o elemento erótico, e que há momentos maravilhosamente comoventes, como a confissão de Rachel a Ben Affleck na fazenda. É um privilégio poder ver Malick entregar mais um trabalho desse nível. Que venham outros. Nota: 8,5