E finalmente chegou o tão esperado novo filme de Karim Aïnouz e Wagner Moura aos cinemas brasileiros! Mais importante (surpreendente) que isso, aos cinemas de Manaus!!! Admito que não esperava que este filme chegasse aqui, portanto foi com enorme alegria que recebi a notícia da sua vinda.

E como era possível de se esperar, visto que estamos falando de um filme de Karim Aïnouz, trata-se de um longa que te propõe uma trama forte, que não te poupa de nada que faça parte daquele universo, que não possui nenhum tipo de filtro, mas que também recompensa aqueles que estiverem dispostos a acompanhar a sua trajetória sem preconceitos.

Donato (Wagner Moura) é um competente salva-vidas que trabalha na Praia do Futuro, que nunca “perdeu” nenhum banhista afogado no mar, até um dia em que dois turistas se aventuram no local, e Donato consegue salvar apenas um deles, Konrad (Clemens Schick). O salva-vidas relaciona-se com ele, e vai com Konrad para Berlim. Passado algum tempo morando na cidade, Donato vê-se numa situação delicada, com saudade de seu irmão e de sua mãe, e da vida que tinha em Fortaleza, seu emprego, bem como as incertezas que vem com o fato de morar com um quase estranho num país diferente. Depois de todo esse tempo, Ayrton (Jesuíta Barbosa) vai ao encontro do irmão para confrontá-lo porque o abandonou e nunca mais deu notícias. A trama é dividida em três capítulos, O Abraço do Afogado, Um Herói Partido ao Meio e Um Fantasma Que Fala Alemão.

Nome sempre citado entre os mais importantes do cinema brasileiro, Karim Aïnouz está de volta com o seu filme mais sofisticado. Caracterizado por seu cinema cru, de difícil digestão, Praia do Futuro representa um amadurecimento do diretor, que permanece com a sua linha naturalista ao extremo, sem pudores, mas com uma consciência maior do que e como mostrar.

Isso fica claro na maneira como o diretor nos apresenta informações importantes da trama, apenas mostrando o que acontece, sem nos explicar como que as coisas tomaram esse rumo. Isso pode até parecer uma falha, se estivéssemos falando de maneira mais generalista, mas aqui Aïnouz faz algo parecido com o que Kechiche fez em Azul É A Cor Mais Quente, que é nos mostrar apenas o que interessa, sem fazer questão de explicar o que acontece nas passagens de tempo. Sabemos que o tempo passou por vermos o resultado do seu decorrer, cabe a nós assimilar aquilo.

Exemplos disso são quando vemos Donato e Konrad transando no carro, sem nenhuma transição que explicasse isso, ou quando, no início do segundo capítulo, já vemos os dois em Berlim. Da forma com que o roteiro e a direção executam essa metodologia, vemos um trabalho maduro, que deixa de lado o didatismo por ter coisa mais importante a fazer.

Muito do sucesso do filme se deve aos seus personagens, todos extremamente bem construídos com seus dilemas e temores. Donato, que pode até vender uma imagem segura no início do filme, parece desde sempre insatisfeito, como se alguma coisa estivesse faltando na sua vida. O afogamento então surge como uma maneira de colocar pra fora essas inseguranças, e finalmente se mostrar vulnerável, ao mesmo tempo que é uma oportunidade de fazer uma mudança radical. E Aïnouz nos mostra isso de maneira muito inteligente, quando, por exemplo, após o alongamento e aquecimento, os salva-vidas todos entram na água, enquanto Donato não os acompanha, nos informando que ele não pertence mais aquele lugar.

Aliás, pertencimento é uma ótima palavra para definir o que se passa na cabeça de Donato, pois na maior parte do tempo ele não parece saber dizer a que lugar pertence. Pertence a água? Pertence a praia? Pertence a Berlim? Difícil dizer, e é interessante como no momento de sua maior crise na Alemanha, venha um zelador dizendo de maneira ríspida que ele não pode ficar ali, que não é permitido. É uma frase simples, mas que ganha diferentes interpretações devido ao estado de espírito do protagonista.

Talvez o personagem menos interessante seja Konrad, que parece manter sempre a mesma personalidade do início ao fim do filme, embora mantenha um ar enigmático (principalmente enquanto ainda estava no Brasil), sem que saibamos exatamente se o que ele sente por Donato é mais do que apenas sexo.

Mas o filme é, sem sombra de dúvidas, do Jesuíta Barbosa.

Vi uma entrevista do Wagner Moura brincando que sente ira do talento do jovem, vontade de matá-lo. É bem isso mesmo, o talento de Barbosa pula, vibra na tela.

Evidente que o filme tem boas atuações dos seus três personagens principais, todos estabelecem personas intrigantes e bem construídas, mas quando Ayrton aparece no filme, não há mais como tirar olhos dele. Talvez também seja pelo fato do personagem ser riquíssimo, o mais interessante dos três. É a figura do jovem amargurado, abandonado, que perdeu a ternura ainda cedo, que se encheu de raiva da vida, e do irmão por tê-lo abandonado. Mas que ainda se entrega furtivamente a momentos de infância (que não teve), como quando brinca com uma arma de plástico com uma moça que acabara de conhecer.

Sua vinda dá uma virada no filme, e mostra um outro lado de todos. Donato mostra-se mais introspectivo, enquanto Konrad se abre mais, mostra um lado mais amigo, que ainda não havia mostrado. E Jesuíta, como sempre na sua ainda curta carreira, conduz o seu trabalho com absurda simplicidade, entregando apenas o necessário para o papel, hipnotizando a plateia com o seu foco e verdade cênica. Depois de mais um trabalho como esse, não tenho pudor nenhum de dizer que Jesuíta Barbosa veio pra ser uma das estrelas do cinema brasileiro.

Apesar de tantas qualidades, o filme se comporta de maneira estranha em diversos momentos, o que depõe contra o resultado. O estilo de Aïnouz, muitas vezes ligado a cenas mal iluminadas, planos extremamente longos, cortes abruptos, não funciona tão bem durante todo o filme. Por vermos a excelência do diretor em vários outros momentos, constatamos que trata-se de uma escolha do mesmo, esse tipo de linguagem menos convencional. Mas aqui isso vai de encontro à sofisticação que vemos, e que é responsável pelos melhores momentos da película. As cenas mal iluminadas, como a da praia no fim de tarde, dão um ar meio amador ao filme, bem como diversas cenas, especialmente a que somos apresentados ao aquário, se estendem demais, gerando quase um desespero em quem assiste, comprometendo de maneira decisiva o ritmo do filme. O ritmo lento com que ele desenvolve sua trama é muito bom, funciona bem, mas exagerar nisso para mostrar cenas que, certas vezes, sequer contribuem para o desenvolvimento da trama e dos personagens, acabam interferindo negativamente no resultado.

O que pode ser considerado uma pena, pois um filme que poderia ser fora de série, torna-se apenas muito bom.

Muito bom, muito melhor do que muita coisa que recebe muito cartaz e que pouco oferece.