Para todos os efeitos, eu fui enganado. “The Florida Project” me enganou. O novo filme de Sean Baker, que estreou no Festival de Cannes e foi exibido no Festival de Londres, é um exímio exercício de como esconder uma trama em plena vista, mas também é um retrato sobre uma parte pouco retratada da vida americana.

O filme apresenta uma estrutura quase mumblecore, aparentemente sem roteiro, acompanhando a vida de Moonee (Brooklynn Kimberly Prince), uma menina de seis anos que mora em um motel vagabundo com sua mãe, Halley (Bria Vinaite), e passa suas férias de verão vagando pelos arredores com seus amigos e infernizando a vida dos adultos, em particular, a do gerente do local, Bobby (Willem Dafoe).

Baker tem uma filmografia calcada em seu interesse na vida marginal, no cotidiano do 99% que existe fora da imagem dos Estados Unidos como a “Terra das Oportunidades”. Se “Tangerine”, seu projeto anterior, era uma turnê quase psicodélica pelo universo das travestis, “The Florida Project” quer falar do arquétipo do “white trash” americano – os brancos pobres e sem educação.

O filme tem em si um humor muito proeminente, carregado quase que unicamente pelo talento de Prince, uma atriz com um timing muito além de seus anos. Moonee parece uma versão com anabolizantes do puro id infantil: ela é desbocada, sincerona e completamente movida pelas suas vontades inconsequentes. Em momentos, ela parece cartunesca, mas acreditamos nela por conta de Prince, que alterna rebeldia e delicadeza rapidamente.

Apesar de seu tom, “Florida” quer fazer perguntas duras sobre os Estados Unidos de hoje. A câmera de Baker não julga suas personagens, mas é difícil não ver o que está em jogo enquanto assistimos a menina e seus amigos vandalizarem carros, incendiarem casas e se livrarem de tudo sem maiores percalços. Não há relação de crime e castigo no mundo de Moonee, então com que tipo de valor essa geração crescerá e como isso afetará a sociedade?

Falando nela, a menina sabe das suas limitações sociais. Pobre, ela mendiga trocados para comprar sorvetes e suas refeições são largamente providas por uma amiga de sua mãe, que trabalha numa lanchonete. No entanto, há um lirismo nas belas imagens, captadas em 35mm, dela usando de sua esperteza, de sua imaginação e de sua absoluta alegria de viver para fugir das amarras da sua condição.

Apesar de crescer em um ambiente inadequado, com uma mãe cheia de falhas e sem ter acesso ao universo provido a uma criança americana de classe média, Moonee não é criança triste nem escapista, demonstrando ter, em especial nos minutos finais, uma clareza muito maior de sua situação do que o roteiro nos dá previamente a entender.

A questão da busca por uma terra de sonhos está no próprio título: “The Florida Project” era o nome dado a Disney World em sua fase de desenvolvimento, quando as terras para o projeto estavam sendo compradas. O motel onde se passa o filme fica nos arredores do parque e ele simboliza, de certa forma, algo aparentemente inatingível. “Aparentemente” é a palavra-chave: “The Florida Project” fala, ainda que de maneira heterodoxa, do fervor da infância, que resiste a todas as adversidades.