Hamlet é uma das maiores obras de Shakespeare, se não a maior. Carregado de sutilezas, mistérios, vinganças e tramas, o que mais chama atenção em Hamlet são os diálogos, característica marcante do bardo inglês. E embora “Ser ou não ser, eis a questão”, “mostre-me um homem que não seja escravo de suas paixões” se popularizem e perpetuem o conhecimento sobre o teatrólogo, a frase que, para mim – apaixonada pelo teatro Shakespeariano -, mas impacta está no ato I, cena II: “Fragilidade, teu nome é mulher”.

Este é um pensamento que acompanha a trajetória da humanidade, a mulher posta como o sexo frágil, enquanto o homem é visto como provedor, protetor e tantas outras características polares que são incutidas culturalmente desde quando o sexo do bebê é descoberto no pré-natal. Enquanto a menina é destinada a cor rosa, a casa, a boneca, as emoções. Ao menino é dado o azul, a bola, os brinquedos geométricos, as lutas e em hipótese alguma o choro, afinal garotos não choram. É sobre esses aspectos que a educação basilar se fundamenta, acercando-se de diferenças socioculturais a fim de exaltar as divergências biológicas entre homens e mulheres.

Você já parou pra pensar o quanto essas diferenças incidem sobre a sociedade? E o quanto elas tem se tornado mais inflamadas com o passar do tempo? Hoje em dia a discussão em torno de gênero e, especialmente, machismo tem ganhado popularidade, principalmente por sair da esfera dos grupos feministas e alcançar programas de TV. Como mulher, aprendemos desde cedo o quanto o machismo está presente na nossa sociedade e o quanto ele tem feito vítimas durante toda a existência humana. Mulheres são violentadas, agredidas, assediadas em plena luz do dia e a indagação que sempre ressurge é: de quem é a culpa? Gostaria de mais uma vez retornar aos fundamentos educacionais. Freud afirma que somos aquilo que recebemos durante os primeiros anos da infância.

Pense um pouco em quais são as típicas cobranças sobre meninos nas sociedades patriarcais (P.S.: O Brasil vive em uma sociedade patriarcal). Não sou homem. Não tenho irmãos. Tenho pouquíssimos primos. Mas sempre tive amigos homens, principalmente durante a infância, e percebia a forma como o tratamento a eles era diferente ao que era destinado a mim e as outras meninas. Frases como “Seja homem”, “não chore”, “não seja covarde”, “guarde seus sentimentos”, “isso é coisa de viado” ou “isso é coisa de menina, seu marica”, eram habitualmente presentes nos diálogos dos mais velhos e eles. Essas são algumas das frases que muitos garotos acostumam-se a ouvir desde a infância e que lhes imprime um ideal de masculinidade em oposição a tudo que é caracterizado como ideal feminino. Tudo isso são padrões que a sociedade institui e que de certa forma a torna adoecida.


Por que falar de tudo isso?

Em 2015, Jennifer Siebel Newsom dirigiu o documentário The Mask You Live In (A Máscara que você vive – em tradução livre), abordando o papel do homem na sociedade, desde a infância até o amadurecimento. Resgatando fenômenos que são impostos com os garotos e explicam comportamentos que podem ser gerados em homens. Apresentando depoimento de especialistas e dados sobre o comportamento masculino, o documentário levanta questionamentos sobre o que é considerado masculino e como a imposição deste padrão afeta os homens e a sociedade, em geral.

Newsom mostra como a maneira de criação de meninos, sua adolescência e amadurecimento podem ser conduzidos sob pensamentos fechados e quadrados. A eles é proibido esboçar reações, como prova constante de sua masculinidade, que parece estar invariavelmente em check. Toda a forma de pensar e agir é fundamentada em repressão. E sob ela e o medo está depositada a cultura masculina que induz ao machismo, misoginia, homofobia e tantas outras aversões ao que lhe é diferente ou demasiadamente próximo para se admitir.

É interessante como a diretora conduz a narrativa documental, evidenciando por trás de depoimentos de homens de todas as idades, raças e gêneros e especialistas em comportamento o quanto essa cultura machista não afeta apenas as mulheres, mas aos homens, também. É preocupante observar como esse modelo implica na incidência de depressão e suicídio de garotos – cerca de 81% dos suicídio nos Estados Unidos é em pessoas do sexo masculino entre 10 e 24 anos. Essa relação está interligada ao incentivo vindo de casa e da escola da hipermasculinidade, que acaba por influenciar homicídios, feminicídio e violência contra mulher.

Sob qual máscara você se esconde? Essa é a pergunta que envolve homens que precisam esconder seus reais sentimentos e emoções, porque neles está a fragilidade destinada a mulher. The Mask You Live In esboça o quanto essa máscara é passada de pai para filho e o ciclo de repressão se instaura na sociedade patriarcal. São pais que não demonstram afeto -“porque abraço é coisa de menina” -, cobram virilidade e disciplina emocional. Assim, crianças são educadas para tornarem-se adolescentes problemáticos e adultos cruéis, desprovidos de emoções femininas. Até que ponto as máscaras que são obrigados a usar influenciam em suas ações? Onde está a culpa da sociedade que preza pela presença do macho? Afinal, como diz Pablo, “homem não chora”, que máscara infectada pela cultura do machismo é essa que se tornou natural?

The Mask You Live in nos faz rever nossos conceitos comportamentais, valores, crenças e percepções socioculturais do que é ser homem e como esses conhecimento e conceito têm influenciado na condução da sociedade desde os tempos remotos.  Ele nos convida a debater a questão da masculinidade e os efeitos da máscara de macho. Tudo isso sob a direção de uma mulher que se preocupa em discutir como a ideia do macho dominante afeta pessoas, cultura e sociedade. Recomendadíssimo a quem cansou de frases hipermasculinizadas e que precisa entender que fragilidade não tem nome de mulher.