Desde o título, o documentário “Saving Banksy” (idem, 2017) foca na contradição que o guia. Por um lado, temos o grafiteiro Banksy, cuja verdadeira identidade permanece uma incógnita, e cujas obras são feitas em muros ao redor do mundo para, pouco tempo depois, serem apagadas. Por outro, tem-se o entendimento de que tais obras podem ser classificadas como arte, sendo necessária a preservação dos grafites, salvando-os das intempéries e da destruição completa.

Mas o que significa preservar uma obra cuja principal característica é a efemeridade de sua existência no espaço urbano? “Salvar” Banksy significa mantê-lo nas ruas, guardá-lo em museus ou permitir a proliferação de leilões dessas obras para colecionadores interessados e com recursos para mantê-las nas melhores condições possíveis para a posteridade?

Do efêmero ao eterno

Essas perguntas são o foco do documentário de Colin Day. Para tentar respondê-las, ele traz três posicionamentos possíveis: o primeiro é o de artistas urbanos produtores de grafites, colagens, estêncil, adesivagem etc. Nesse grupo, estão figuras como Risk, que defende que esse tipo de arte seja retirada de seu local original e vendida apenas com a autorização do autor; Ben Eine, que tem sentimentos conflitantes sobre ver um grafite num museu; e Niels “Shoe” Meulman, que não vê sentido algo em tirar a street art, bem, das ruas!

As colocações desses e outros criadores é destacada especialmente no primeiro terço do documentário. Essa acaba sendo uma decisão inteligente de montagem, pois ajuda a cimentar o valor das obras, o “tempo de estrada” para um artista desenvolver obras dessa natureza com certa noção de autoria, além de abordar os aspectos legais desse tipo específico de produção – lembrando que em muitas cidades, grafitar é um ato anônimo por ser configurado como crime; sendo crime, esse tipo de produção fortalece ainda mais um de seus elementos essenciais: ser uma expressão underground, marginal e contestadora. Para o espectador menos situado nessa contextualização, tal apresentação é essencial para entender os pormenores sobre o assunto que entram em cena mais a frente no documentário.

O segundo posicionamento seria o de Brian Greif, que também é um dos produtores do documentário. Alguns anos antes, ele teve a iniciativa de remover uma obra de Banksy de uma parede de madeira em San Francisco com o propósito de doá-la para um museu e, dessa maneira, ser admirada pelo público por tempo indeterminado. Porém, ele esbarrou com burocracia e resistência por parte das instituições por conta de aspectos éticos – afinal de contas, como um artista anônimo autorizaria a preservação de sua obra num museu? E como uma curadoria não-especializada caracterizaria tal obra como arte, para início de conversa?

Nesse ponto, a discussão desdobra-se para algo igualmente complexo: aborda-se a emergência de se pensar na arte urbana enquanto elemento a ser catalogado, analisado e protegido, como se faz com quadros, fotografias, esculturas e outras expressões artísticas já consolidadas. Entram em cena os sistemas que regem a manutenção desse tipo de obra, o universo dos museus e da curadoria, apresentados aqui como algo paradoxal em relação à natureza transitória, transgressora e nada elitista do grafite. Greif é, então, um personagem bastante dual: ao se recusar a vender o grafite de Banksy, ele entende que um dos motores da arte urbana é ela estar disponível gratuitamente a todos, na rua; por outro lado, ele tenta preservar algo que foi feito essencialmente para não durar.

Na aparente concordância com a visão de Greif está o terceiro posicionamento facilmente detectável em “Saving Banksy”. Este é representado pelo vendedor de arte Stephan Keszler, que conta com uma equipe de profissionais para arrancar pedaços de paredes com as obras do grafiteiro, vendendo-as para coleções privadas ao redor do mundo. O pequeno grande “porém” é: Keszler não cede um centavo ao artista cuja identidade poucos conhecem. É com ele que a discussão sobre a arte como mercadoria entra em cena, novamente expondo a contradição de que uma obra feita anonimamente em local público, muitas com mensagens de contestação ao capitalismo e toda sorte de status quo, passa a ser um objeto precificado. Apesar do gritante disparate ético disso, Colin Day tenta resistir a apresentar Keszler de forma exagerada ou vilanesca, deixando que o sentido de suas falas impulsione mais e mais questionamentos por parte do espectador para que este “ligue os pontos”.

A beleza dos detalhes

De maneira geral, a beleza e impacto das obras mostradas e as reviravoltas curiosas que a vida real dá à narrativa de “Saving Banksy” são o suficiente para não sentirmos falta de recursos mais complexos da linguagem audiovisual. Tem-se os tradicionais talking heads, entrecortados por imagens de grafites, colagens e intervenções fotografadas de maneira a explorar o melhor das cores e formas, com a montagem do filme dando agilidade a esse formato simples. O esmero da produção fica perceptível em relação a isso, servindo também de registro para várias obras que nunca mais poderão ser vistas novamente.

“Saving Banksy” é também, no final das contas, um parente próximo do myse em abyme – ou uma narrativa dentro de narrativa: o audiovisual surge, no caso, como uma maneira menos intrusiva de tentar eternizar a efemeridade da arte urbana, ainda que de maneira diferente que Greif ou os colecionadores que compram obras de Banksy a preços exorbitantes.

Tomemos o grafite que guia toda a controvérsia do documentário, com um dos “ratos comunistas” de Banksy. No filme, reconta-se a história de como a obra apareceu no topo de um prédio em San Francisco; mostram-se fotos e gravações de quando ele estava alocado no lugar; apresenta-se a cuidadosa retirada da obra dali; corta-se para a aparição da obra numa exposição em Miami e seu retorno a San Francisco.

O tempo todo, a obra resiste a ser coisificada, pensada em termos de mercadoria, dialogando com o poder dela enquanto imagem que esboça um rato com o chapéu de Che Guevara, ao lado dos dizeres: “Esse é o fim da linha”. O rato, não por acaso, é apontado como um dos elementos icônicos de Banksy, para quem “se você for sujo, insignificante e desprezado, os ratos são seu principal modelo”, segundo aspas apresentadas no próprio documentário. Oh, the irony

Pensar esse caráter elástico do que se considera arte e do quão mutante são os processos de fruição desta ao longo do tempo é algo que “Saving Banksy” instiga no espectador. É também o que faz com que um documentário aparentemente tão simples seja uma interessante contribuição ao assunto não só para os admiradores dessas criações, mas para pessoas interessadas em história da arte, curadoria e museologia no geral que não têm nada contra um filme de linguagem ágil e direta.