O dia 16 de janeiro de 1998 mudou minha vida.

Até aquele momento, era apenas um garoto de 10 anos que tinha na sétima arte mais uma diversão, o qual pegava emprestado a revista “Set” da minha tia para ler despretensiosamente, mas não tinha costume de ir às salas de cinema.

Quando deu 13h daquela sexta-feira chuvosa, comecei minha viagem pelo mundo cinematográfico ao assistir “Titanic”. Era a primeira sessão do filme de James Cameron em Manaus (o qual permaneceu em cartaz durante todo o primeiro semestre daquele ano) e fui acompanhado de minha mãe.

Nunca havia tido tanta vontade em assistir um filme como daquela vez até então. Toda vez que uma notícia sobre o longa surgia na televisão ou uma matéria em jornal ou revista, algo inexplicável atraía minha atenção.

Três horas depois estava maravilhado com aquilo que foi apresentado: um espetáculo visual incrível e emocionante com ótimos atores e um diretor capaz de conduzir aquele “delírio” em realidade de forma tão brilhante.

O impacto daquele dia é tão grande em minha vida que me lembro de pequenos detalhes: desde a fila em L invertido para comprar o ingresso até o local da cadeira onde sentei (ponta direita da ala direita da sala 1 do Severiano Ribeiro do Amazonas Shopping), além, é claro, do perfume da minha mãe, o qual se alguém passar com ele por mim, lembrarei de “Titanic”.

Coisa de maluco, sei.

“Titanic” provocou em mim um amor inveterado pelo cinema. Tanto que aquela sessão fez criar um hábito que levarei até o dia em que morrer: ir aos cinemas todos os fins de semana (e quando dava, durante a semana também), vendo a maior parte dos filmes em cartaz.

Para se ter uma ideia, minhas contas somam 753 idas aos cinemas desde 2003 até o dia 8 de abril de 2012 (se tivesse minha lista de 1998 a 2002 organizadas, teria, com certeza, mais de 1000 longas vistos nas telonas).

Durante anos de minha vida disse a quem quisesse ouvir que “Titanic” era o melhor filme que tinha visto. Hoje, quatorze anos depois do lançamento dessa obra-prima e com uma quantidade absurda de longas e curtas-metragens vistos, já não ouso dizer tal frase.

O passar do tempo ajuda a gente a formar uma visão mais crítica e perceber a riqueza de filmes com roteiros mais complexos; a admirar também cineastas com visões mais reflexivas sobre a sociedade e o próprio cinema; aprendi mais sobre técnicas cinematográficas, observando elementos ricos e significativos na trama que, anteriormente, passavam despercebidos, entre outros pontos.

Apesar de tudo isso, o impacto que tive naquela sessão de “Titanic”, nunca mais senti. Por tudo isso, continua ocupando o topo da lista do filme mais importante da minha vida e, acima de todos os outros fatores, este é o que considero mais.

“Titanic”: essência do cinema hollywoodiano

Titanic Leonardo DiCaprio I'm the king of the world

Ao analisar esta obra-prima dirigida por James Cameron, lembro sempre de dois clássicos: “…E o Vento Levou” (1939) e “Casablanca” (1942). Todos os três são grandes sucessos de público e crítica e marcaram suas respectivas gerações.

Porém, a série de características em comum desses três filmes explica essa adoração e encantamento que o trio provoca.

1. Romance impossível

Jack Rose Titanic

Um dos temas mais batidos e populares que existe. Desde “Romeu e Julieta”, de Shakespeare, até as três novelas exibidas diariamente na Rede Globo, a fórmula é apresentada com pequenas variações ao longo do tempo, porém, nem sempre causam o impacto que se espera no público.

Para que se tenha êxito, é preciso criar de maneira consistente uma trama que envolva o espectador de maneira quase que imediata na relação de amor entre os dois personagens e nos obstáculos que enfrentarão no caminho, uma tarefa que cabe a roteiristas e diretor trabalharem.

Nada disso, porém, resiste se os atores não forem talentosos e possuírem uma química contagiante.

Leonardo DiCaprio e Kate Winslet, dois dos melhores atores de sua geração, conseguiram criar personagens que nos encantam de imediato, justamente por serem opostos um do outro:  enquanto Jack Dawson é um aventureiro que leva a vida como uma grande curtição e certa irresponsabilidade, Rose é uma garota presa em seu mundo que deveria ser, mas não é, de conto de fadas, e impossibilitada de viver sua própria vida, escondendo seus verdadeiros desejos e vontades.

O encontro dos dois justamente ali naquele navio provoca uma transformação em ambos e o público percebe imediatamente a necessidade que um tem na vida do outro: para ela, a chance de viver plenamente, e a ele uma perspectiva de futuro e rumo ao lado de alguém. Aliadas ao carisma, energia e talento dos intérpretes, a combinação se transforma em certeira.

Cada um a seu modo e com seus conflitos particulares, isso é exatamente o que acontece com Scarlett O’Hara e Rhett Butler, vividos, respectivamente, por Vivian Leigh e Clark Gable, em “…E o Vento Levou” e com Ilsa (Ingrid Bergman) e Rick (Humphrey Bogat) em “Casablanca”: pessoas com pensamentos ou atitudes opostas que se atraem de tal forma que não conseguem evitar a paixão.

2. Trama ambientada em um fato histórico marcante

Titanic James Cameron

Uma das características mais legais do cinema é poder nos jogar em uma realidade inalcançável, transformando aquelas imagens que vemos nos livros de história ou fotografias antigas em realidade diante dos nossos olhos por um determinado período de tempo. Saber usar este tema ao criar elementos ficcionais que se encaixem bem dentro do contexto histórico é um achado que esses três clássicos conseguiram perfeitamente.

Foi assim com o “…E o Vento Levou” ao tratar da Guerra da Secessão nos EUA e “Casablanca” com a Segunda Guerra Mundial.

Voltando minha análise a “Titanic”, o nosso conhecimento de que o passar das horas os encaminha para uma tragédia sem precedentes, aumenta nossa expectativa para ver qual será o destino dos protagonistas, os quais já estamos envolvidos devido a tê-los conhecido tão bem.

A própria clássica cena do primeiro beijo é trágica por natureza, pois sabemos que, dali a poucas horas, o navio se chocará com o iceberg e o destino, não somente deles, mas como de cada um ali, pode ser a morte.

Isso eleva o grau de tensão e carinho pelo qual temos com cada um ali e nossa torcida pelos protagonistas cresce ainda mais.

3. Primor técnico e obsessão de seus realizadores

Titanic James Cameron

James Cameron conseguiu o impensável para realizar “Titanic” e recriou o navio quase que inteiro (a réplica do filme era apenas 10% menor que o original).

Essa obsessão do cineasta em ter as condições quase iguais ao navio que naufragou em 1912 se mostra extremamente perfeita em cada minuto do filme: em vez daqueles cenários criados em computador que dificultam a imersão dos atores (e, em algumas vezes, até mesmo do público) no contexto da trama, Cameron coloca uma veracidade imensa na história e nos deslumbra com a riqueza do figurino e a direção de arte impecável, além de uma fotografia brilhante.

Como se não bastasse, o domínio da história que se quer contar pelo cineasta o leva a transformar determinadas passagens em momentos únicos de beleza, nas quais cada tomada surge de maneira mais natural que a outra, culminando em cenas já clássicas como Jack gritando na proa do navio (“I’m the king of the world!”), a cena do beijo e toda a espetacular sequência do naufrágio, a qual faz um milagre: produzir um clímax ininterrupto de 1h30!

Outro ponto que chama a atenção é a luta de James Cameron para fazer o filme com imagens do navio verdadeiro naufragado no meio do Oceano. Para isso, ele usou as principais tecnologias em filmagem aquática para dar ainda mais dimensão à tragédia.

Essa mesma força de criar momentos memoráveis e o tamanho cuidado com a recriação do contexto em que a trama está inserida guiou tanto os realizadores de “…E o Vento Levou” e “Casablanca” (bem verdade que este menos, até por se tratar de uma história um pouco mais intimista).

É o uso da riqueza e tecnologia de Hollywood, capaz de criar os mais impossíveis sonhos em realidade, aliada à inteligência e sensibilidade de um artista em prol de uma obra cinematográfica.

Problemas de “Titanic”

Jack Rose Titanic James Cameron tinha espaço na madeira

Como citei na primeira parte do texto, meu deslumbramento e a importância que “Titanic” teve em minha vida e na paixão que tenho pelo cinema, impediram que visse alguns problemas apresentados pelo longa.

O tempo e uma visão mais crítica do ponto de vista cinematográfico, porém, me impedem de fingir que o filme é perfeito.

O mais nítido dos problemas é, sem dúvida, o pobre roteiro escrito por James Cameron que, acima de tudo, não dá profundidade maior aos seus personagens, especialmente os coadjuvantes.

A mãe de Rose, por exemplo, parece uma criatura gélida a todo momento, até mesmo quando o navio está naufragando e sua filha correndo risco de morte.

Já Caledon ‘Cal’ Hockley, além de ser um tapado que não percebe que a noiva está completamente se derretendo por Jack na frente de todo mundo, é um sujeito mau por ser mau: não há uma tentativa de humanizá-lo nem nada; o bicho é ruim e ganancioso e ponto final.

Outra falha, pequena, porém importante, é não abordar um pouco mais as razões que levaram o “Titanic” a naufragar, especialmente no que se deve aos erros do comandante do navio.

Tudo isso é resumido a dois pequenos trechos inseridos rapidamente na trama, como se não tivessem tanta importância assim.

Mesmo com esses problemas e com a chatíssima canção-tema “My Heart Will Go On”, interpretada pela ainda mais chata ainda Céline Dion, “Titanic” não perde o brilho e a genialidade.

Serei sempre grato a James Cameron e toda sua equipe por ter despertado naquele garoto de 10 anos de idade uma paixão que vai durar para sua vida inteira.

O brilhantismo técnico junto com uma história emocionante levam esse filme a ser tão marcante. Será, independente do que falem, uma marco no mundo do cinema.

Que o cinema me proporcione mais emoções como as que tive naquele dia 16 de janeiro de 1998 ao assistir “Titanic”.

Titanic James Cameron Jack Rose

Destino dos principais nomes de “Titanic”

James Cameron: no campo cinematográfico, ele resolveu se superar e transformou Hollywood com “Avatar” e seu 3D. Já na área ambiental, vem sendo um “ecochato”, ao dar opiniões em que não tem tanta propriedade no assunto.

Leonardo DiCaprio: tentou se desvencilhar ao máximo da imagem de galã teen do momento. Após trabalhar com nomes como Steven Spielberg e Martin Scorsese, conseguiu se firmar como um dos principais atores da atualidade.

Kate Winslet: a melhor atriz da atualidade ao lado de Meryl Streep. Precisa dizer mais alguma coisa?

Gloria Stuart: a simpática intérprete de Rose nos dias atuais atuou em mais cinco filmes depois de “Titanic”. Faleceu no dia 26 de setembro de 2010 aos 100 anos.

Billy Zane: péssimo ator, a única coisa que fez digna de nota foi ter tido a coragem de assumir a sua homossexualidade. Nos cinemas, foi uma nulidade.

Kathy Bates: com uma carreira mais do que consolidada, resolveu dar uma sossegada neste últimos anos, fazendo uma série de filmes e poucos papéis marcantes.

Bill Paxton: especialista em ser coadjuvante de grandes sucessos (“Apollo 13”, “Twister”, “True Lies”), sumiu dos cinemas depois de “Titanic”: desde 2004, não participa de um filme. Porém, conseguiu êxito na TV na série “Big Love”.

Bernard Hill: foi o Rei Théoden nos dois últimos filmes da série “O Senhor dos Anéis”.

Suzy Amis: só fez um filme depois de 1998, a fita de ação “Tormenta de Fogo”. Atualmente, é casada com James Cameron, o qual conheceu durante as filmagens  de “Titanic”.

P.S: ainda não assisti a conversão do filme para 3D, mas não tenho a menor dúvida que é totalmente tola e desnecessária. Vale pelo filme e não por essa propaganda enganosa de três dimensões que não altera coisa nenhuma.