Ganhador de Melhor Longa Infantil no Anima Mundi de 2018, “Tito e os Pássaros” obteve boa recepção internacional com indicação a Melhor Animação Independente no Annie Awards e estar na lista dos pré-selecionados ao Oscar 2019. Este reconhecimento é resultado do equilíbrio primoroso entre a estética marcante, uma temática atrativa ao público e igualmente necessária em seu discurso, tornando-o uma ótima atração para o público infantil e adulto.

A trama apresenta Tito (Pedro Henrique), um garoto de 10 anos de idade tentando solucionar uma epidemia contraída por qualquer um que se assuste, reduzindo a pessoa a virar uma pedra em seu último estágio. De forma surpreendente, o pai dele, o cientista Rufus (Matheus Nachtergaele) já previa sobre este acontecimento e buscava uma solução, entretanto, após um incidente, ambos foram afastados, deixando Tito sozinho nesta missão. Ao mesmo tempo, o empresário e repórter sensacionalista Alaor Souza (Matheus Solano) continua a perpetuar o caos sobre a doença a fim de lucrar com isto.

Primeiro é preciso destacar a engenhosidade do roteiro de “Tito e os Pássaros”. Focada inicialmente no drama entre pai e filho, a trama possui, ao mesmo tempo, consegue dar uma dimensão precisa do perigo da epidemia. Além de estabelecer estas duas narrativas principais, ainda existem questões relativas ao amadurecimento de Tito e seus amigos e a interação entre eles.

Este cenário denso ganha bom suporte com as ótimas cenas de ação e alívio no humor inserido pontualmente em “Tito e os Pássaros”. As tiradas cômicas oscilam entre piadas bobas e outras com maior ironia, deixando a trama mais leve, porém sem perder a urgência.

O único problema no roteiro escrito por Eduardo Benaim e Gustavo Steinberg (este co-diretor ao lado de Gabriel Bitar e André Catoto) é que a busca por este equilíbrio entre gêneros negligenciou a presença de alguns personagens. O filho do empresário Alaor, por exemplo, constantemente entra em conflito com Tito por ser uma criança rica e individualista. Apesar destas características serem desconstruídas ao longo da narrativa, o personagem é constantemente utilizado apenas como uma forma de resolução de problemas para Tito.

Da mesma forma, a mãe de Tito, Rosa (Denise Fraga) é pouquíssima aproveitada no filme. Ela é determinante para a separação de Tito e Rufus ao argumentar pela segurança do filho, porém, essa motivação não parece ser suficiente, deixando questionamentos pelo caminho – ainda existia amor entre Rosa e Rufus? Eles ainda eram casados ou apenas viviam juntos por causa do filho?. Assim, Rosa se torna uma personagem extremamente limitada a ser a mãe rigorosa e super-protetora que, além de tudo, é esquecida no terceiro ato da narrativa e volta a aparecer apenas no último minuto.


Do Expressionismo à trilha Sonora: destaques técnicos

Além de uma boa história, “Tito e os Pássaros” apresenta um ótimo visual ao abraçar a estética expressionista. Seja nos cenários sufocantes ou expressões exacerbadas dos personagens, esta pretensão acompanha o longa com frequência e ajuda a construir o mundo caótico que se apresenta a Tito. Assim a criação dos desenhos possui a inserção de contrastes e uma considerável iluminação nos cenários desenhados.

Apesar deste contexto de tons predominantemente escuros, a animação também apresenta belos frames com cenas dinâmicas e imaginativas. Muitas delas são inseridas pela presença dos pássaros na tela, o que se relaciona diretamente com a resolução do surto e um cenário mais positivo.

Mesmo se tratando de uma animação em 2D “Tito e os Pássaros” possui uma quantidade considerável de técnicas, as quais incluem pintura a óleo, desenho digital e animações gráficas. Essa combinação rende um ótimo resultado, principalmente, considerando os investimentos e popularidade de animações em 3D e cinemas 4D.

A trilha sonora do filme também se destaca: a produção optou pelo mesmo estúdio responsável por este setor em “O Menino e o Mundo”, porém, neste caso, a sonoridade no longa foi totalmente essencial para acompanhar sua história. O sentido de urgência e aventura são o ponto em que a trilha verdadeiramente predomina, porém, ela não fica esquecida em cenas sentimentais ou contemplativas, o que ajuda bastante para estabelecer o ritmo da trama


Realidade não tão distante

Utilizando como ponto de partida a separação entre Tito e seu pai, o filme se relaciona bastante com o público infantil e as conflituosas relações de família a partir de um divórcio. A melhor parte disto é que o distanciamento torna o protagonista mais forte e até mesmo preparado para o cenário epidêmico que se instaura: desde a partida de seu pai, ele promete nunca mais sentir medo, tornando-o praticamente imune ao surto.

O contexto sobre a epidemia e a propagação do caos é uma constante em grande parte do longa. Essa trama é utilizada, principalmente, como cenário social e político em “Tito e os Pássaros”, o que rende uma preciosa reflexão ao seu final, com uma resolução didática e coerente à história estabelecida. Isso ocorre pois enquanto a doença se espalha, Alaor Souza continua a perpetuar um discurso extremamente alarmante na população, mesmo sem ter conhecimento sobre a epidemia.

Esta atitude soa tão familiar que recorda as famosas “notícias” espalhadas por meio da internet e aplicativos de conversa. Fazendo um paralelo mais direto sobre o tema saúde, podemos, inclusive, comparar esta parte da trama com o movimento antivacina popularizado na própria rede virtual e que já é visto como uma medida a ser combatida.

Outro grande acerto é não caracterizar Alaor como o vilão em si: ao final do filme, o espectador descobre que o surto foi causado pela própria sociedade como um todo. Entretanto, o empresário possui grande parte de culpa na situação por propagar sua opinião como informação, alarmando as pessoas e, além de tudo, oferecendo uma solução por meio de seu novo projeto imobiliário – mais uma narrativa não tão distante da realidade – o que torna totalmente válida a inspiração no presidente dos Estados Unidos, Donald Trump para a criação de Alaor.

Em se tratando de um filme brasileiro, “Tito e os Pássaros” apresenta uma narrativa substancial para o atual momento do país. Os significados inseridos assim como a construção de um final coerente e criativo ajudam a compor uma obra relevante e igualmente fácil de se cultuar esteticamente.