Um olhar penetrante em um mundo de facínoras, “Azor” é um soco no estômago. O longa de estreia de Andreas Fontana, exibido na mostra Encontros do Festival de Berlim deste ano, bebe da tradição dos thrillers adultos e políticos que Hollywood simplesmente abriu mão de fazer. No processo, o cineasta suíço entrega uma das maiores surpresas da Berlinale.
Yves (Fabrizio Rongione) é um banqueiro suíço que vai a Buenos Aires em plena ditadura militar com o pretexto de fazer turismo com a esposa Inés (Stéphanie Cléau). Na realidade, ele tem uma missão menos relaxante: reconquistar a confiança da clientela local de seu banco depois do desaparecimento de seu sócio René, até então responsável por ela. Sua busca pelo paradeiro de René e sua exposição à corrupta elite argentina o levam ao questionamento de todos os seus valores.
Considerando as afiliações avant-garde do Festival de Berlim, o primeiro choque de “Azor” talvez seja o quão direto ao ponto ele seja. Eis um filme que evoca a estrutura dos suspenses clássicos, com o protagonista emulando às vezes um detetive particular do cinema noir, outras um desbravador de um mundo desconhecido.
BURGUESIA DESREGULADA E SEM LIMITES
Seus objetivos o empurram cada vez mais para dentro de um universo imoral e sua luta interna é capturada brilhantemente pelas nuances da atuação de Rongione. Yves é um sujeito que lamenta as mudanças do mundo dos banqueiros e tem muita dificuldade em achar dentro de si o ânimo para atuar nessa nova realidade.
Não muito diferentemente do personagem de Tommy Lee Jones em “Onde os Fracos Não Têm Vez“, ele vê o niilismo que vem com o novo nível de ganância da elite que usa seus serviços e questiona seu papel ao servir os interesses dela. Aos poucos, o papel de René – um personagem que não aparece em cena mas é uma presença notável em cada frame – se torna cada vez mais ambíguo e Yves precisará escolher entre seu emprego e sua moralidade.
O roteiro, escrito por Fontana em colaboração com o mestre argentino Mariano Llinás (“La Flor“), é carregado de simbolismos e acerta em cheio na representação de uma burguesia isolada do mundo externo desregulada e sem limites. Em conluio com o governo militar, que aterroriza a população fora da bolha do 1%, sua Argentina é uma terra-do-faça-o-que-quiser e nenhum esquema em benefício próprio está fora de cogitação.
Os personagens desprezíveis que Yves encontra pelo caminho servem a críticas políticas contundentes, mas Fontana nunca os trata como arquétipos. Como feras da selva, os ricaços do filme se sentem seguindo as leis da natureza. O alvo de “Azor” é o sistema que permite (e até fomenta) essa natureza, bem como o silêncio de seus operadores.