É comum, falarem que os filmes de terror são misóginos na sua abordagem do papel da mulher, o velho estereótipo da donzela em perigo – o sexo frágil – que precisa de um homem para salvá-la do assassino ou monstro. Apesar de concordar que vários filmes da década de 70 e 80 apresentaram este olhar reducionista sobre elas, a força feminina superou muitas vezes de forma direta ou indiretamente este estigma sexista. Uma análise profunda dos filmes de terror permite enxergar que mesmo preso aos clichês de gênero, as mulheres sempre se destacaram como heroínas na maioria dos filmes, saindo do sexo frágil para valentes e determinadas girls powers que enfrentam seus medos e ansiedades.

Isso é observado até mesmo em franquias consagradas como Sexta-Feira 13, Halloween e a Hora do Pesadelo, onde na maioria dos seus capítulos são elas que destroem os vilões, assumindo os papéis de protagonistas da história. Nesta lista, citaremos sete exemplares voltados ao horror feminino no âmbito dos roteiros, personagens e elementos narrativos que valorizam situações e representações do universo feminino que se destacam no gênero:


O Horror Feminino da Hipocrisia – Carrie – A Estranha (1976)

De Palma sempre foi visto como diretor misógino por utilizar as mulheres como objetos de fetiches nas suas obras. Porém, na década de 70, suas heroínas apresentavam uma força e determinação que refletia em comportamentos ousados e inquietantes. Isso é observado principalmente em Carrie – A Estranha. Impressiona aqui a economia e objetividade como o cineasta trabalha as nuances do horror feminino por meio do suspense psicológico.

Reproduz na sua essência, a vingança de uma jovem que sofre bullying como também a descoberta da sexualidade diante da intolerância e hipocrisia social-religiosa. Neste ponto converge para a crítica social em relação à solidão juvenil feminina e ao processo de alienamento dos jovens frente a uma sociedade americana castradora. O final explosivo, que se assume terror puro, mostra os motivos impactantes que até hoje levam o filme a residir no imaginário cinéfilo dentro do gênero. Sissy Spacek e Piper Laurie fazem um belo e poderoso duelo na atuação.


O Horror Feminino da Gestação – A Invasora (2007)

A Invasora é sem dúvida uma das obras mais intensas dentro do New French Extremism, ciclo francês de horror que chamou a atenção na década passada. Os diretores Julien Maury e Alexandre Bustillo desfilam um espiral de violência gráfica que não permite o espectador respirar um segundo sequer devido o seu enredo bruto e agressivo que transforma a produção numa montanha russa de fortes emoções. Depois de perder o marido em um acidente de carro e na véspera que dará luz ao primeiro filho, Sarah é assombrada por uma mulher que invade a tranquilidade do seu lar.

 O texto cuidadoso nos seus simbolismos relacionados ao processo de luto e perda, utiliza um cenário onde praticamente a figura masculina é descartada – e quando ela aparece é totalmente dizimada – deixando apenas visível, o duelo travado entre duas mulheres na busca da realização do ritual mais afetuoso da raça humana – a gestação. O nascimento de uma criança, situação carregada de emoções, é transformado pelos diretores em um verdadeiro pesadelo. Por isso A Invasora é o representante do horror francês nas imagens. Uma obra nada recomendada para gestantes ou pessoas sensíveis a violência física.


O Horror Feminino na Arte Vampírica–
Garota Sombria Caminha pela Noite (2014)

Se os filmes de vampiros são cada vez mais raros de se encontrar no cinema comercial de horror, podemos conjecturar que os melhores exemplares encontram-se no circuito indie. É o caso do iraniano Garota Sombria Caminha pela Noite de Ana Lily Armipour claramente um grito feminino frente à situação das mulheres na cultura iraniana e diga-se de passagem, explora bem a história de uma vampira vingadora.

Armipour sabe trabalhar o seu texto feminista em um conto original que apresenta na sua fotografia lindíssima, uma ótima atmosfera e estilo, sem deixar de tocar em temas pesados como sexo, drogas, prostituição, entre outros. É neste ambiente insólito que a diretora cria a sua vampira como uma Deusa imortal, responsável em quebrar os preconceitos e tendências conservadoras culturais. Há sequências surreais belíssimas – o que dizer da festa a fantasia, com um Drácula lisérgico? Mais que cult, um filme de horror feminino libertário como os bons riffs crus e impactantes de acordes de uma música punk.

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O Horror Feminino da Sexualidade –
A Marca da Pantera (1982)

Sou grande fã do original Sangue da Pantera (1942) dirigido pelo genial Jacques Tourneur, mas há algo que sempre me faz conectar emocionalmente, com esta releitura dirigida pelo maestro Paul Schrader (o roteirista dos filmes de Scorsese como Taxi Driver),  em razão das imagens povoadas por delírios visuais e eróticos, impregnados em cada sequência da obra. Schrader faz uma mistura interessante entre o terror gótico, erotismo e suspense que funciona pelo estilo onírico em como brinca com a realidade e fantasia.

A trilha sonora com a genial Putting Out The Fire do mestre David Bowie adiciona mais sensualidade e estilização a obra. A trama incestuosa sobre dois irmãos (o genial Malcom McDowell e a sexy Nastassja Kinski) que descobrem serem descendentes de uma tribo de pessoas que viram panteras permite Schrader desenvolver com muita habilidade o horror feminino da sexualidade como libertação do presídio da moralidade. Não tem a mesma genialidade do original, mas é repleto de sensualidade, sem jamais se tornar vulgar.

Resultado de imagem para audição Takashi Miike
O Horror Feminino dos Fetiches –
Audição (1999)

Takashi Miike é um dos cineastas mais dementes e lunáticos do cinema japonês. Por isso espere sempre algo ao extremo, desconcertante e preso a um sadismo que deixaria até o Marques de Sade com inveja. Audição é sobre um executivo de TV que após perder a esposa para uma doença fatal, resolve dez anos depois, arrumar uma companheira. Sem tato para conhecer uma nova garota, ele resolve realizar uma audição (daí o título original) para um filme falso, e assim entrevistar dezenas de mulheres e encontrar a gata perfeita.

A grande virtude de Miike é brincar com o público ao apresentar duas narrativas tão díspares quanto você colocar petista e coxinha para falar sobre a moralidade da ideologia política dos seus partidos: a primeira hora do filme é um melodrama romântico introspectivo, doce e vigoroso sobre um homem enlutado tentando voltar a amar. Já o segundo momento, bem….podemos dizer que é um pesadelo visceral, sinistro e desconexo tipo um cão chupando manga que nem vale citar para não estragar as surpresas. Neste segundo ato é que o filme explora o horror feminino como combate da misoginia que se utiliza de meios nada éticos para se sobrepor sobre a conduta da mulher tímida e frustrada. Em Audição, os fetiches, as desilusões amorosas e o machismo são reflexões para a liberação da monstruosidade humana e da vingança feminina.

 

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O Horror Feminino da Violência Física –
A Vingança de Jennifer (1978)

A década de 70 foi marcada por trabalhos provocadores, mas foi o desconhecido Meir Zarchi o responsável em realizar o clássico representante do sexploitation, subgênero marcado pela violência e sexo: A Vingança de Jennifer, cuja tradução do título original “Eu Cuspirei no seu túmulo” já deixa claro o tom cru do filme. Nele, uma aspirante a escritora, Jennifer (interpretada pela neta de Buster Keaton, Camille) é estuprada por um grupo de caipiras da região e partirá em seguida, para uma vingança violenta. A tagline do filme na época dizia nenhum júri da América iria condená-la. O filme tem ainda o seu apelo atual, devido o viés escroto encontrado na nossa sociedade machista que coloca a responsabilidade na mulher. Elas pedem para serem estupradas pela forma que se vestem diria um discípulo de Bolsonaro ou Trump.

 Zarchi realiza um filme incomodante, tosco e quase amador – as atuações são o melhor exemplo disso – cujo intuito principal é chocar o público através de sequências fortes – a cena de estupro com quase 20 minutos interruptos e a de castração são apelativas ao extremo – que impressionam. O texto reproduz a barbárie e humilhação sofrida por uma mulher que faz seu revide dentro de um horror feminino vingativo frio, perverso e assustador. Nele, a violência provoca mais violência e Meir deixa claro que quando se fala dela em si, os papéis de gênero são idênticos na sua natureza primitiva, pois a vingança de Jennifer aos seus agressores é tão pesada quanto o estupro que sofreu. Ganhou um remake recentemente chamado Doce Vingança que teve duas continuações. Mesmo violento, não tem o formato realístico e cru do original, até porque foi feito para a geração estilizada de Jogos Mortais.


O Horror Feminino das relações e da claustrofobia  –
 O Abismo do Medo (2005)

O britânico Abismo do Medo é praticamente a versão feminina do clássico O Enigma de Outro Mundo (1981) do maestro John Carpenter. Troca-se os homens e o enredo cientifico-conspiratório pelas mulheres e uma trama aventureira de estudo das relações. Há de elogiar o trabalho de Neil Marshall (também autor do roteiro) na construção do clima psicológico do filme que deixa grande parte do roteiro em um suspense claustrofóbico onde as relações interpessoais se deterioraram e mostram-se mais cruéis, que as criaturas que habitam uma caverna onde um grupo de mulheres resolveu se aventurar.

A tensão humana das relações é sem dúvida a temática mais interessante do longa que explora o quanto é frágil o ser humano na sua interação social em momentos conflituosos. Sem contar que Marshall sabe utilizar muito bem os espaços fechados e o medo da escuridão para encenar sequências violentas e cheias de gore. O horror feminino explorado em Abismo do Medo simplesmente não envolve as criaturas grotescas que habitam a caverna – elas são secundárias – e sim o duelo entre duas amigas que apresentam suas culpas e inseguranças por esconderem segredos uma da outra e que no meio da escuridão serão manifestados através dos seus instintos primitivos mais assustadores.

Menções Honrosas:

May – Obsessão Assassina e A Mulher, de Lucky McKee – Quem conhece a carreira deste diretor independente, sabe que suas obras apresentam personagens femininas fortes que precisam lidar com ambientes opressivos e misóginos. Os dois exemplares citados não fogem a regra.

A Bruxa, de Robert Eggers – Outro belo exercício da transformação feminina frente a uma histérica sociedade conservadora. O hype em torno do filme já deu o necessário destaque.

The Babadook, de Jenifer Kent – Outro belo exercício feminino que mistura medo do desconhecido e relações maternais.

Confissões, de Tetsuya Nakashima – obra asiática que caminha pelo thriller psicológico que mostra uma das vinganças femininas mais terríveis.

House of Sorority Row, de Mark Roston: Um raro slasher oitentista quase totalmente focado em personagens femininos. O ótimo clima e um subtexto que discute a culpa feminina fazem deste pequeno exemplar um trabalho a ser descoberto.