Eles fazem parte da história do cinema: não há como fugir dos chamados guilty pleasures. A expressão em inglês designa o “prazer culposo”, aquele filme que a gente sabe que é ruim, às vezes inconscientemente, às vezes de fato. Mas que, de vez em quando, gostamos de ver ou rever, ora porque ele possui alguma característica que nos agrade, ora porque simplesmente gostamos de zoar de certas obras cinematográficas. A maioria dos guilty pleasures é melhor apreciada na companhia de muitos amigos, fãs ou mesmo estranhos na sala do cinema. E nenhum filme nasce guilty pleasure, só o tempo determina isso. Mas em 2018, nenhum se encaixa melhor na definição do que este Um Pequeno Favor.

Um Pequeno Favor não é um filme bom, sob qualquer critério artístico. É como se o diretor Paul Feig e a roteirista Jessica Scharzer tivessem visto alguns Hitchcocks, alguns noirs, Les Diaboliques (1954) e Garota Exemplar (2014) e tentado fazer algo parecido na hora de adaptar o livro da autora Darcey Bell. Mas baixou em ambos um espírito de novela das 8 da Globo, como se o filme tivesse sido concebido por Manoel Carlos ou Glória Perez. Na direção, Feig tenta aliar seus dons de comédia com pitadas de Brian De Palma. E a certa altura do filme, seus realizadores simplesmente dizem “Dane-se” para tudo. Se tudo isso parece atrativo para você, leitor, então seja bem-vindo ao clube dos futuros admiradores deste guilty pleasure. Afinal, Um Pequeno Favor pode até ser ruim, mas isso não significa que seja chato ou que não seja divertido.

É um filme, no seu cerne, sobre o desespero da vida suburbana e personagens que desejam fugir dela. Tudo começa quando a jovem mãe e viúva Stephanie Smothers (Anna Kendrick) conhece a mãe mais diferente da cidade, Emily Nelson (Blake Lively), numa tarde chuvosa – Emily sai do carro com um guarda-chuva e usando chapéu, blazer, gravatinha e saltos altíssimos, como se tivesse acabado de sair de uma cerimônia de premiação ou de um desfile de moda. É a imagem que define o filme.

As duas se tornam amigas – bem, amigas nos termos de Emily. Até o dia em que Emily desaparece misteriosamente e a sonsinha começa a se aproximar do marido dela, Sean (Henry Golding). Com o tempo, Stephanie passa a investigar o sumiço da outra, ao mesmo tempo em que dá dicas de culinária no seu vlog.

Dos créditos meio cafonas até o final rocambolesco, passando por uma cena de sexo involuntariamente engraçada, o filme é o pacote completo. Começamos a projeção achando que Stephanie será a narradora do filme, mas o narrador é do tipo onisciente (Feig) e safadinho… Um diretor acostumado a trabalhar com atrizes e temáticas femininas, além de ser especialista em comédia, em Um Pequeno Favor Feig parece estar por dentro da piada e sabe qual o tipo de filme que está fazendo. Do meio para o fim, qualquer pretensão de seriedade ou realidade desaparece por completo da história. Aliás, é justamente quando se vê forçado a explicar a “trama” do filme – a qual, confesso, não sei se entendi totalmente – é que Feig ameaça perder o controle do filme e deixa-lo chato.

Bem, para quem resolve embarcar na experiência, há momentos para se divertir. E as atrizes, em especial, estão “a fim de jogo”, como se diz no futebol, especialmente Kendrick: com sua atuação divertida e personagem amalucada, ela mantém as coisas divertidas. Além de Kendrick, Rupert Friend e Linda Cardellini roubam algumas cenas com suas caricaturas exageradas. E é um filme totalmente de estilo e sem substância, se orgulha disso e capricha nesse estilo: os figurinos das atrizes com certeza devem chamar a atenção do público.

No geral, Um Pequeno Favor é uma bagunça: momentos cômicos convivendo com uma trama de mistério, as reviravoltas são muitas e muitas delas são risíveis, e a trama se move tão rápido que nem deixa o espectador pensar muito nela – talvez seja este o objetivo, afinal. Ainda assim, Anna Kendrick e os vários momentos rocambolescos são capazes de proporcionar prazer ao espectador. Ora, talvez no futuro Um Pequeno Favor se torne um daqueles filmes cujos fãs se reúnem para assisti-lo acompanhados de muita bebida alcoólica, para rir e admirar a beleza das estrelas. Talvez ele fique até mais divertido assim. Pode ser que ele vire cult daqui a alguns anos. Porque nem só de obras-primas vive o cinema…