Um Santo Vizinho em alguns momentos parece uma nova versão de Gran Torino (2008), apenas substituindo as duas grandes personalidades em frente às câmeras. Imagine aquele filme com alguns detalhezinhos diferentes e com Bill Murray no lugar de Clint Eastwood, e pare um pouco para refletir sobre o que significa essa substituição. Em Um Santo Vizinho, Murray interpreta Vincent McKenna, sujeito mal educado e beberrão, chegado numas apostas em corridas de cavalo e cujas únicas companhias são o seu gato e Daka, uma estranha stripper russa que continua a trabalhar mesmo grávida, interpretada por Naomi Watts com direito a sotaque carregadíssimo.

Um belo dia um caminhão de mudança na casa vizinha provoca um acidente na propriedade de Vincent e danifica o seu carro. É graças a este acidente que ele conhece sua nova vizinha Maggie (Melissa McCarthy), uma técnica de equipamento hospitalar, e seu filho, o garotinho Oliver (o estreante Jaeden Lieberher). Maggie é mãe solteira e trabalha muito, e por isso acaba deixando Oliver sob os cuidados do seu estranho vizinho – claro, ele só aceita cuidar do menino mediante pagamento… Porém, com o tempo, algo semelhante a uma amizade começa a surgir entre o velho senhor e o garoto.

Enquanto em Gran Torino o velhinho interpretado por Eastwood ensinava seu vizinho, o garoto asiático, a ser Homem com H maiúsculo, as lições de vida transmitidas por Bill Murray são mais adequadas à sua persona irônica e cínica. Vincent ensina o garoto a apostar em cavalos e o leva ao bar. É também graças ao senhor mais velho que Oliver descobre o que é uma “dama da noite”, ao questionar Vincent sobre a profissão de Daka. Vincent ainda ensina o menino a se defender do bullying de outros garotos da escola com um golpe meio baixo e perigoso…

São nesses momentos que o filme, o primeiro longa do diretor Theodore Melfi, ganha vida e desperta risadas e emoções na plateia. Melfi, também autor do roteiro, tem a difícil tarefa de transitar entre a comédia e o drama e nem sempre é bem sucedido neste aspecto, mas nessas cenas entre Vincent e Oliver o filme funciona: Lieberher é ótimo e Murray, bem… é ele mesmo, mas ao mesmo tempo é também o seu personagem, e isso faz do papel de Vincent um dos mais interessantes da carreira do astro.

Explica-se: Murray não é realmente um ator, e em muitos dos seus filmes ele basicamente interpreta a si mesmo. Sua personalidade transparece com força em seus filmes e a maioria deles até se beneficia por isso. Ele sempre conseguiu arrancar risos da plateia com um mero levantar de sobrancelhas ou com um close na sua face cínica – em muitos filmes da sua carreira Bill Murray é o centro, de cara séria e temperamento irreverente, frente a um mundo que muda ao seu redor.

Em Um Santo Vizinho isso não acontece inteiramente. Claro, a rabugice e o cinismo do personagem combinam 100% com a persona de Murray, mas no filme ele também mostra detalhes de uma interessante composição de personagem – a voz, o figurino de Vincent e algumas mudanças de caracterização que o ator precisa retratar no terço final da história. Ou seja, o que se vê neste filme é uma mistura da tradicional e esperada presença de Murray com momentos de um inspirado trabalho de atuação, provavelmente o melhor momento dele desde sua indicação ao Oscar por Encontros e Desencontros (2003).

Além de Murray e Lieberher, Um Santo Vizinho também tem outras qualidades. Watts é engraçada no seu papel absurdo e caricatural, e McCarthy, mais conhecida por suas comédias, aqui vive o papel sério da história e até que se sai muito bem. Melfi escreve alguns bons diálogos – “O catolicismo é melhor das religiões, com as melhores roupas”, diz o professor de ensino religioso de Oliver – e conduz o filme com facilidade, de modo que nunca realmente perdemos o interesse mesmo quando a história tropeça.

Esses tropeços começam a aparecer quando o filme muda da comédia para o drama na sua segunda metade, e alguns destes momentos dramáticos ficam a um passo da pieguice. Além disso, a história é previsível: qualquer espectador que já tenha visto um filme sobre a amizade entre um homem velho e um garoto consegue adivinhar como Um Santo Vizinho se desenvolve. A explicação para o título do filme surge ao final do filme e a cena funciona pela atuação de Lieberher, mas mesmo esse momento também fica no limite do sentimentalismo. Ainda assim, a mensagem final, a de valorizar o homem comum, é bonita e funciona. Bill Murray é uma presença tão especial que, em vários dos seus filmes, os personagens dele não mudam ao fim da trama – é o mundo que aprende a aceitá-los, e o mesmo ocorre em Um Santo Vizinho. Depois de fazer tanta gente rir, e de vez em quando se emocionar, neste filme Murray consegue a sua tão merecida canonização.