A especialista em narratologia alerta: toda a fábula sobre desejo é um conto de advertência. A moral reside em desvelar verdade e realidade simultaneamente e se abrir a possibilidade de experimentar. Sonhar. Desejar. Amar.

A exemplo do que fez a romancista britânica A.S. Byatt em seu conto “The Djinn in the Nightingale’s Eye”, com uma intertextualidade marcante que discursa sobre o contemporâneo em uma estória atravessada por outras obras como as “1001 Noites”, “Sonhos de uma Noite de Verão” e “A Treatise on the Astrolabe”, George Miller apresenta seus “300 anos de Anseio” (ricamente traduzido para “Era Uma Vez um Gênio”) como uma adaptação lúdica, febril, livre e lisérgica.

Então “Era uma vez um Gênio” ou Dijnn gentil, belo e sedutor (vivido em carne, osso e efeitos visuais por Idris Elba) que as linhas do destino fazem chegar aprisionado em uma canfora decorada a uma das barraquinhas do comércio de mascates de Istambul. Eis que ele é convocado por Alithea (Tilda Swinton) e reconta sua história de vida e de percalços envolvendo os desejos dos outros e os seus.

Mito no divã

O fantástico, o estranho e o maravilhoso passam a operar em “Era Uma Vez um Gênio”, suspendendo descrença e fazendo a manutenção da verossimilhança no universo onde, no mundo atual, uma mulher solitária, estudioso de narrativas, que sofreu desilusões e desacreditou no “mágico” pode confrontar suas certezas e flertar com o desconhecido.

E até mais do que os flashbacks que narram as desventuras do Djinn, seus amores – como a deusa Rainha de Sabá ou a matemática Zephir – são os diálogos entre ele e Aleteia que sustentam boa parte da dramaticidade, são o coração do filme.

O silêncio de um gênio

Como Pasolini na adaptação da coleção de míticos contos árabes, Miller, que escreveu o roteiro com Augusta Gore, mergulha na fábula e imprime sua marca autoral. Com um ritmo por vezes alquebrado, decerto, em especial entre o segundo e o terceiro segmento – “Dois Pequenos e Uma Gigante” – o cineasta tem dificuldade em continuar seduzindo o espectador com sua forma de narrar, mesmo a suntuosidade, as atuações e os efeitos ópticos da câmera subjetiva, que faz às vezes do gênio em modo dramático, não são suficientes para a coesão da narrativa que desaponta.

Parte da profundeza do gênio ou djinn é sua espera por alguém que irá realizar os três desejos e libertá-lo. Por mais que seja até previsível que o embate entre ele e a narratóloga leve a realizá-lo os desejos dela, o que resulta dessa interação é mais valioso, pois aí reside a filosofia de “Era Uma Vez Um Gênio”.

O aprendizado que ele obtém na ausência da completude, a maneira com que ela entende que na verdade não sabe nada sobre o que é viver histórias é o que torna essa jornada épica cativante – mesmo que seja custoso enxergar que talvez o tom (menos leve da obra) tenha um impacto no ritmo claudicante de “Era Uma Vez Um Gênio”.

“A finalidade real da viagem maravilhosa é a exploração mais total da realidade universal” assinalaria o filósofo e teórico Tzevtan Todorov na obra seminal “Introdução a Literatura Fantástica”. Explorar os sonhos e anseios dos personagens de “Era uma vez um Gênio” em tramas que se sucedem e sobrepõem é um desafio para Miller, que aposta na força e carisma de seus protagonistas em aliança com efeitos visuais estonteantes para alcançar o objetivo na fabulação imagética. E quando penetra na mente da personagem de Tilda, remontando aos momentos da vida daquela intelectual que a levaram até ali, a ser tão cética mesmo estudando algo que demanda fé no universo, eleva a sua obra. O nome da personagem-narradora que ela interpreta é Aleteia, que etimologicamente na definição do filósofo Heidegger significa uma tentativa de compreensão da realidade, um “desvelamento”.

A edição de Margaret Sixel faz algumas concessões a forma por vezes até convencional que o cineasta australiano intercalar as tramas e trabalha a progressão, mas também consegue se desvincular tanto especialmente no último ato do filme, quando a relação de gênio e mestra se torna mais dinâmica (e até humana?).

Melancolia, solidão e compaixão são os ingredientes desse elixir cinematográfico, por vezes amargo, outras delicadamente ácido e no geral, agridoce no paladar. A trilha de Tom Holkenborg (que assina sob a alcunha Junkie XL) tampouco deixar algum desejo incompleto.