“A história que verão a seguir é baseada em documentos reais” – assim começa o episódio-piloto de Arquivo X. Bem, até hoje não sei quais documentos são esses, mas é fato que Chris Carter, o criador do seriado, leu uma pesquisa que dizia, no começo dos anos 1990, que 3,7 milhões de americanos declararam acreditar terem sido abduzidos por alienígenas. Essa informação provocou um estalo em sua mente.

Carter, um sujeito com pinta de surfista e cabelos precocemente brancos, era um escritor contratado pela Disney quando escreveu o piloto de Arquivo X e ofereceu o projeto às redes de TV. A Fox topou, mas não compreendeu totalmente: a ideia era misturar gêneros, um seriado policial com toques sobrenaturais e de ficção-científica. E para conduzir a série, os dois personagens principais seriam um agente do FBI brilhante e maluco, capaz de acreditar em tudo e com o estranho nome de Fox Mulder; e a sua parceira, uma médica racional e cética, chamada Dana Scully.

Para o papel de Mulder, Carter e a Fox escalaram David Duchovny, que já era um pouco conhecido por sua participação em Twin Peaks e como apresentador e ator da série pornô-soft Red Shoe Diaries (!). Já para o papel de Scully, Carter bateu o pé: escolheu Gillian Anderson, que basicamente só tinha experiência de teatro e foi considerada “pouco sexy” pelos executivos da rede. Ainda assim, Carter fez valer sua vontade e todo mundo se mandou para Vancouver, no Canadá, para filmar o piloto. Era 1992, e eles lá ficariam pelos próximos seis anos – a série estreou em 1993 – fazendo a História da televisão.


DNA DA SÉRIE

Por que Vancouver? Porque a cidade sempre teve uma política de custos baixos para a atividade cinematográfica e suas locações passam facilmente por cenários americanos. Afinal, Arquivo X iria ser uma produção de orçamento apertado, e para a qual a rede não tinha grandes planos.

Mas Carter era um sujeito esperto. Sim, a parte ufológica do seriado seria importante – a busca de Mulder era motivada pelo sumiço da sua irmã Samantha, a quem ele acreditava ter sido abduzida quando criança. Mas quando Carter reuniu seus roteiristas, um deles perguntou: “Todos os episódios precisam ser sobre ETs?” e ele sabiamente respondeu: “Não”. Em Arquivo X iria valer tudo: monstros, conspirações, lendas urbanas... Tudo que pudesse servir de motivação para uma trama sobrenatural poderia ser investigado por Mulder e Scully. Isso deu ao seriado uma versatilidade tremenda e uma fonte de histórias praticamente inesgotável. A primeira temporada foi um ensaio para isso: os índices de audiência não eram espetaculares, mas eram bons o suficiente para continuar. E esses índices só iriam subir com o tempo.

Perto do final da primeira temporada, Gillian Anderson engravidou e sua filha foi a primeira “criança milagrosa” do seriado. Por causa disso, a atriz teria que se ausentar dos episódios iniciais da segunda temporada, o que fez os roteiristas inventarem a sua abdução por ETs. Isso deu um impulso à conspiração alienígena, o motor dos episódios ditos “mitológicos” do seriado. Dali para frente, a série alternaria de forma abrangente e poderosa entre episódios isolados e aqueles parte do arco maior, o da luta de Mulder para entender e expor a conspiração, adicionando a isso o drama pessoal de Scully, cuja abdução teria repercussões até as últimas temporadas da série.


O AUGE

Então tudo começou a acontecer. Veio o sucesso na ainda incipiente internet, onde cada episódio era discutido. Vieram os prêmios: foram três Globos de Ouro de Melhor Série Dramática, pelas temporadas 1, 3 e 4; Globos de Ator e Atriz para Duchovny e Anderson pela terceira temporada; e Emmy de Melhor Atriz para Anderson pela quarta. Veio o sucesso em vídeo, onde os episódios eram editados como filmes… E claro, havia outra razão pela qual as pessoas assistiam: a tensão sexual entre Mulder e Scully. “Era só amizade ou havia algo mais?”, essa pergunta levava muitos fãs à loucura, e Carter deixou essa tensão sexual por resolver até quando pôde.

Foram anos de glória – as cinco primeiras temporadas de Arquivo X são televisão imperdível, com episódios de terror, suspense, ficção-científica, dramas e até comédias – na opinião deste que vos fala, o melhor episódio da série é uma comédia, o clássico “Do Espaço Sideral” da terceira temporada, escrito pelo talentosíssimo Darin Morgan, que é ao mesmo tempo uma criativa tirada de sarro com a “busca pela verdade” tão importante para os heróis do programa, e um sensível exame da necessidade do ser humano em acreditar em algo.


SINAIS DE DECADÊNCIA

Então em 1997 a Fox e Carter decidiram fazer um filme para cinema do Arquivo X, aproveitando a vocação do seriado para temas e histórias grandiosas. E as coisas começaram a sair dos trilhos… O filme foi rodado concomitantemente com o fim da quarta e quase toda a quinta temporada, o que deve ter representado um pesadelo para a produção. Quando saiu, no verão de 1998, Arquivo X: O Filme até foi bem de bilheteria, mas não conseguiu atrair novos fãs e os espectadores de cinema ficaram coçando a cabeça com o que era apenas um episódio gigante nas telas. Foi uma experiência interessante – fazer um filme baseado numa série de TV enquanto a série ainda estava no ar – e que expandiu a mitologia, mas não representou muito além do fator “Uau, Arquivo X está no cinema!”.

Mas antes do filme do Arquivo X, que tomou sua atenção, Carter lançou outro seriado, o fantástico e cult Millennium (1996-1999), que falhou em alcançar uma audiência tão grande quanto a da sua criação mais famosa. Além disso, nessa época David Duchovny fez pressão para mudar a produção da série para Los Angeles – segundo relatos de então, o ator queria estar mais perto da família e não gostava muito do clima sempre frio e chuvoso, mas ideal para a série, de Vancouver. Então, para agradar ao seu astro, ao final da quinta temporada Arquivo X se mudou para a Califórnia, mas deixou seu coração na cidade canadense.

Iniciou-se outra fase: a sexta temporada, pós-filme, ainda é boa, mas já se começa a notar um cansaço, tanto entre os atores principais quanto na escrita dos roteiros. Carter planejava acabar a série na sétima temporada, mas o fim prematuro de Millennium e dos seus outros projetos lançaram uma sombra e fizeram Carter e a Fox mudarem de ideia sobre matar a galinha dos ovos de ouro. Duchovny só tinha contrato até o sétimo ano, e como estava movendo processo contra a Fox referente a valores não repassados pelos direitos de reprise e DVDs (que na época faziam muito sucesso), acabou deixando o seriado. Ao final da temporada, Mulder foi abduzido e Scully ficou grávida, deixando um gancho para o próximo ano.


O FIM

Para continuar a série, surgiu um novo parceiro para Scully, chamado John Doggett, interpretado por Robert Patrick. A situação se inverteu: agora ela era quem acreditava, enquanto ele era cínico. A dinâmica entre Scully e Doggett trouxe um pouco de fôlego e a oitava temporada acabou sendo um pouco melhor que a sétima. Duchovny fez um acordo com a Fox e apareceu em alguns episódios, mas depois foi embora novamente, deixando a encrenca para a nona temporada.

Nessa época a audiência já tinha diminuído e Anderson estava chegando ao fim do seu contrato, sem interesse em continuar. Novos personagens apareceram e os roteiristas tentaram recriar a dinâmica Scully-Mulder com uma nova agente, Monica Reyes, vivida por Annabeth Gish. Patrick e Gish são ótimos atores e funcionavam bem juntos: se os roteiros tivessem sido melhores, talvez até pudessem ter substituído os principais. Mas no fim das contas os fãs não quiseram saber de Arquivo X sem Mulder e Scully, e a Fox decidiu encerrar o seriado. O episódio final foi ao ar em 2002, com Duchovny de volta. A essa altura a mitologia alienígena do seriado já estava confusa e, embora muitas perguntas tivessem sido respondidas, ainda ficaram ganchos para o futuro. Carter sempre disse que pretendia continuar Arquivo X no cinema com um filme de vez em quando, mas novas pendências judiciais entre ele a Fox atrasaram esses planos em vários anos.


RESSURREIÇÃO DUPLA DEPOIS DO DESASTRE

Quando finalmente veio o novo filme, ele surpreendeu… Negativamente. Arquivo X: Eu Quero Acreditar (2008) não foi baseado na mitologia alienígena e era no estilo dos “monstros da semana” tão populares entre os fãs. Mas a história criada por Carter (também diretor do filme) não foi forte o suficiente para justificar retomar a franquia. E num erro de timing, o filme foi lançado na temporada de verão de 2008 e foi engolido nas bilheterias por Batman: O Cavaleiro das Trevas. Eu Quero Acreditar até não é ruim como sua reputação sugere, mas certamente não conseguiu sacudir a sensação de parecer um fan film mais profissional.

Então, quando tudo parecia terminado, a Fox disse que queria reviver a série na TV, Carter e os atores toparam, acordos foram assinados em tempo recorde e neste começo de 2016, teremos seis novos episódios de Arquivo X para ver, com a possibilidade de mais, dependendo da aceitação do público.


LEGADO

Percebe-se a influência de Arquivo X em seriados como Sobrenatural, Fringe, Lost, BonesBrett Martin, autor do livro “Homens Perigosos” sobre os bastidores da nova era de ouro dos seriados, considera Arquivo X um valioso elo entre a TV episódica de antigamente e a intensa serialização das produções mais “cinematográficas” de hoje. E, claro, não podemos nos esquecer de Vince Gilligan, roteirista revelado por Arquivo X que mais tarde criou a obra-prima Breaking Bad e transformou em astros dois atores que conheceu na série de Chris Carter: Bryan Cranston e Aaron Paul.

Depois de tantos anos, a verdade ainda está lá fora… Mas suspeito que nem os roteiristas sabem mais que “verdade” é essa. A história de Arquivo X, o fenômeno da cultura pop, tem as suas lendas e mistérios. Mas, nenhum deles é maior do que os seus dois personagens principais. É graças a Mulder e Scully, à sua inesquecível química e a tudo que passaram juntos desde aquele episódio inicial, filmado há mais de 20 anos, que ainda estamos interessados em mais Arquivo X.

Ainda queremos acreditar na série, e talvez esses seis novos episódios não representem o fim deste fenômeno.