Imagine-se, por um momento, vivendo-se no mundo da série The Walking Dead. Não há mais leis. A comida é escassa e qualquer procura por mais mantimentos implica em perigo. Ninguém vai vir ajudar você – a essa altura do seriado, já faz mais de um ano que o mundo, como se conhecia, acabou, então qualquer ajuda, se existisse, já teria vindo. E a ameaça da morte é sempre constante: não é possível dar uma breve caminhada sem topar com um morto-vivo, ou vários deles, prestes a atacar. Além disso, qualquer pessoa que morra próximo a você também é uma ameaça.

Num cenário como este, é apropriado se perguntar: vale a pena continuar vivendo? De certa forma essa pergunta sempre existiu como subtexto na série, mas nesta quarta temporada ela foi trazida para o primeiro plano diversas vezes pelos personagens. Vale a pena formar laços afetivos, se qualquer amigo/parente/cônjuge pode se transformar num zumbi e ameaçar a sua vida? Vale a pena ajudar alguém em dificuldade, se essa pessoa pode atacar você enquanto dorme, matá-lo e roubar os poucos itens necessários à sobrevivência que você possui? Vale a pena levantar de manhã e cuidar de si e das pessoas próximas, se tudo pode acabar num instante? No fim das contas, vale a pena fazer qualquer coisa?

Bem, no começo da temporada, para os nossos heróis a resposta parece ser “sim”. No fim do ano anterior, Rick (Andrew Lincoln) e seu grupo conseguiram triunfar sobre o Governador (David Morrissey). Parte dos habitantes de Woodbury, aqueles que não tomaram parte nos atos de violência do Governador, se mudou para a prisão, que passou a ser administrada por um conselho – Rick não faz parte dele e aceitou de bom grado virar fazendeiro e criador de porcos. Alguns meses se passaram e todas aquelas pessoas viveram em paz neste período.

Uma comunidade se formou na prisão, porque o ser humano é gregário e precisa dos laços afetivos, precisa encontrar um meio de viver em sociedade mesmo após o livro das regras sociais ter sido rasgado. Nada simboliza melhor isso que a personagem Michonne (Danai Gurira): ela é vista sorrindo e descontraída logo no início! Porém, as coisas começam a se complicar nos primeiros episódios quando uma doença se espalha pela prisão. E mais: a cada dia parece haver mais mortos-vivos se juntando contra as cercas que protegem aquele lugar, como se alguém os estivesse atraindo. Esse cenário prepara o terreno para o retorno do Governador. Por mais que ele tenha tentado refazer sua vida – e vemos o que aconteceu com ele após o final da terceira temporada num longo flashback estendido por dois episódios – o homem ainda guarda um enorme rancor por ter perdido tudo nas mãos de Rick e seu grupo.

Nos bastidores desta quarta temporada a série passou por mais uma mudança: Glen Mazzarra, o efetivo produtor-executivo do programa durante as temporadas 2 e 3, deixou o posto e foi substituído pelo relativamente inexperiente Scott M. Gimple. Embora estivesse em The Walking Dead como roteirista e produtor desde o segundo ano, Gimple nunca havia de fato se tornado manda-chuva antes. Porém sob seu comando nota-se que nesta temporada houve um esforço consciente por parte dos roteiristas para aprofundar mais os personagens da série e fazê-los mais interessantes.

the walking deadPor exemplo, nesta temporada destacaram-se a humanidade de Hershel (Scott Wilson, fantástico), lutando para salvar os infectados pela doença, e o crescimento de Carol (Melissa McBride). De esposa que aguentava calada as agressões do marido no início da série, agora ela é absolutamente pragmática e ensina até às crianças vivendo na prisão a exterminar os zumbis. De certa forma, os dois foram os polos opostos da temporada: um personagem simbolizava a crença na vida em detrimento da morte e a vontade de esperar pelo melhor; o outro acreditava que para viver, tornou-se necessário evitar qualquer ameaça a todo custo. Uma das frases de Hershel era “Sem esperança, de que adianta viver?”. Já Carol diz, num episódio, “Você mata ou morre. Ou você morre e então mata”, um pensamento meio torto, mas que faz sentido no universo da série.

Houve até mesmo uma tentativa de aprofundar psicologicamente o Governador. Na terceira temporada o personagem foi muito frustrante, sua vilania era artificial ao invés de orgânica, e ele parecia mais um instrumento para introduzir conflito na série do que um ser humano real. O episódio Live Bait tenta até redimi-lo um pouco, colocando-o em contato com uma pequena família de sobreviventes – afinal, até ele sentiu a necessidade de viver junto a outros. Porém, novas circunstâncias o fazem voltar ao caminho da psicopatia. O resultado é o de um personagem um pouco mais redondo, mais real.

Pena que esse trabalho interessante feito com os personagens também tenha sido acompanhado de problemas. A doença nos primeiros episódios é conveniente: basicamente apenas os figurantes novos a pegam e morrem por causa dela – é a típica doença dos “camisas-vermelhas”, para fazer referência aos extras sem fala que só serviam para morrer em Jornada nas Estrelas  – e a oportunidade para estabelecer novos e carismáticos personagens se perde. Apenas Bob (Laurence Gilliard Jr.) se mostrou interessante dentre os novos personagens e, felizmente, sobreviveu.

Houve também as tradicionais forçadas de barra, momentos nos quais as exigências da trama obrigaram alguns personagens a agirem de forma estranha. O primeiro desses conflitos se dá entre Rick e Carol no episódio “Indifference”. Este episódio ainda é prejudicado pela tendência da série em subestimar a inteligência do espectador: para deixar mais claro ainda o dilema entre Rick e Carol, surge no episódio um inexplicável casal de jovens, praticamente iscas ambulantes de zumbis. Rick tenta ajuda-los, Carol percebe logo que eles não vão sobreviver, e isso serve apenas para repisar o conflito, já existente, entre eles. E no fim, Rick toma uma decisão unilateral, um pouco alheia ao seu personagem, para o bem da trama.

Outro episódio prejudicado por problemas foi The Grove, uma hora pretensamente séria e dramática e que também envolve Carol – interessante como a personagem foi importante nesta temporada, e McBride se mostrou um dos sólidos interpretes do elenco. Porém, o episódio é prejudicado pela atuação fraca da menina Brighton Sharbino, que faz o papel de Lizzie, e pelo comportamento da personagem que, sinceramente, é difícil de acreditar. Mesmo assim, na cena final reaparece o dilema central da temporada: para quê viver?

A temporada e a série como um todo não respondem a essa pergunta, pois para a maioria dos personagens, a resposta é óbvia. Viver é preciso, e nesse caso é preciso viver junto. O retorno do Governador traz apenas o conflito destrutivo no episódio Too Far Gone, uma das grandes horas da série até o momento. A tragédia do Governador e do seu conflito com Rick é que eles poderiam viver juntos, mas a psicopatia inerente a um deles – de vez em quando forçada pelos roteiristas – tornou isso impossível.

E assim os personagens seguem em frente, formando pequenos grupos. É curioso notar como The Walking Dead até agora foi estruturada como se fosse um road-movie, um filme de estrada com os personagens em movimento e tentando sobreviver, periodicamente fazendo algumas paradas no caminho – o Centro de Controle de Doenças no final da primeira temporada, a fazenda na segunda, a prisão na terceira e na quarta. Andar sozinho na estrada é perigoso, é melhor fazer isso acompanhado: há força em números. E assim, entre tropeços e passo firme, a série prossegue até a próxima parada. Até o fim da caminhada descobriremos quem vence no duelo entre a esperança e o pragmatismo.

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