Em homenagem ao aniversário de 70 anos do grande Chico Buarque, a equipe do Cine Set resolveu escolher músicas do cantor e compositor que poderiam ser adaptadas em grandes filmes. O resultado você confere logo abaixo.

Caio Pimenta – Música Escolhida: “A Banda”

Pode não ser uma das canções mais brilhantes da carreira de Chico Buarque, porém, “A Banda” traz um encanto perdido ao longo do tempo. A possibilidade trazida pela arte em ser um alívio e uma válvula de escape para a tristeza do cotidiano e os problemas da vida desfila por esta canção popular. Em tempos tão politicamente corretos em que as redes sociais policiam nossas atitudes e tudo se polariza nos campos sociais e políticos, a música pede um momento de entrega absoluta à felicidade simplesmente por este sentimento ser tão bom.

A humanidade se tornou tão nociva para si mesmo que histórias belas como “A Felicidade Não Se Compra” soam ingênuas nos dias atuais. “A Banda” traz esse sentimento e ressuscitá-lo, por vezes, ajuda para continuarmos seguindo. Por que não deixar por um instante a pura alegria nos tomar? Qual o problema?

Pelo trabalho em “O Palhaço”, Selton Mello poderia ser um diretor excelente para levar o espírito de “A Banda” para o cinema.

Ivanildo Pereira – Música Escolhida: “Jorge Maravilha”

Essa é uma das canções do Chico Buarque que eu considero divertidas. É aquela com o famoso verso “Você não gosta de mim, mas sua filha gosta”. Por ter sido lançada nos anos 1970, em meio ao contexto da ditadura militar, é claro que se criou uma lenda em torno desse verso: chegaram até a suspeitar que o verso fosse dirigido ao general Ernesto Geisel, presidente do Brasil na época, e cuja filha era admiradora de Chico.

Polêmicas à parte, a letra de “Jorge Maravilha” de vez em quando me faz viajar, imaginando a história de um líder estudantil do Brasil dos anos 1970, um cara carismático (o Jorge Maravilha do título) que encanta a filha de um grande oficial do exército no comando da ditadura. O romance entre os dois é uma ideia para um filme, mas ao invés de seguir o caminho mais fácil e fazer dele um drama manjado, eu gostaria de vê-lo ser contado com um pouco de humor e delicadeza. E além de mostrar um pouco da nossa história recente, o filme poderia também fazer um paralelo com a nossa situação atual, com a cada vez maior polarização entre esquerda e direita no Brasil.

Será que o Cao Hamburger, de O Ano Em Que Meus Pais Saíram de Férias, se interessaria pela ideia?

Renildo Rodrigues – Música Escolhida: “Mano a Mano”

Nesta canção menos conhecida do LP de 1984 (o que tem “Vai Passar” e “Pelas Tabelas”), a primeira e única parceria com o compositor João Bosco, Chico retoma, numa chave mais elaborada, uma de suas marcas registradas – a letra narrativa, a habilidade de esboçar trama e personagens no espaço de uma música, que já rendeu maravilhas como “Pedro Pedreiro”, “Valsinha” e “O Meu Guri”.

Contando a história de dois caminhoneiros, amigos-irmãos da vida na estrada, pelas boleias e picadas do Brasil profundo (“Meu irmão/Na beira da estrada valeu/O que era dele era meu/Eu era ele/Ele era eu”), Chico cria um enredo complexo. Eles se adoram, mas vivem se desafiando, andando lado a lado pela rodovia (“Meu para-choque com seu para-choque/Era um toque/Era porreta”), se apaixonam pela mesma mulher – de forma brilhante, o compositor a descreve usando os nomes das cidades que os dois percorrem (“Ela era estrela/Era flor do sertão/Era pérola d’oeste/Era consolação”), e terminam de forma trágica, quando um deles colide durante a brincadeira.

Escolhi esta música porque ela ainda diz respeito a boa parte do Brasil atual – o país interiorano, de estradas empoeiradas e longas noites de vigília, dos motoristas de caminhão, das imprudências no trânsito – e porque esse cenário, que já deu grandes filmes de Walter Salles, Breno Silveira e Karim Äinouz, combinado à trama de triângulo fatal, poderia dar um senhor drama. Concordam?

https://www.youtube.com/watch?v=KvgDcGdke98

Susy Freitas – Música Escolhida: “Iracema Voou”

Em “Iracema voou”, Chico Buarque nos apresenta a sua “personagem-título”, uma moça que sai do Brasil para tentar a sorte nos EUA. Em versos simples, a canção descreve seu quotidiano e ambições em terras estrangeiras, além das eventuais saudades de casa que assolam todo forasteiro vez ou outra.

A singeleza da música está justamente ao brincar de não despejar descrições detalhadas das situações vivenciadas por Iracema. A letra dá a entender que a cearense enfrenta dificuldades com o idioma e vive na ilegalidade, mas a atmosfera dos versos e do ritmo não poderia ser mais leve. Sofia Coppola se divertiria bolando uma versão cinematográfica para a canção, uma vez que ela foi tão bem sucedida ao retratar as sensações de dois outsiders no Japão em “Encontros e desencontros” (2003).

Falando em Japão, uma dobra no espaço tempo poderia tornar possível uma belíssima versão nipônica de “Iracema voou” dirigida por Yasujiro Ozu. Com certeza ele chamaria Setsuko Hara como protagonista. Ok, acho que agora viajei demais…