Um filme como Deadpool 2 já traz consigo uma certa atitude: quem viu e se divertiu com o primeiro sabe que a sequência será cheia de irreverência, palavrões, brincadeiras com a cultura pop, piadas sexuais de mau gosto, referências a outros filmes de super-heróis e muita violência. Nesse quesito, a sequência não desaponta, ela realmente traz de volta tudo que agradou aos fãs do original. Mas essa atitude não é desculpa para tudo: se o próprio protagonista diz, mais de uma vez no filme num daqueles momentos de quebra da quarta parede característicos do personagem, que Deadpool 2 tem “um roteiro preguiçoso”, bem… Não sou eu que vou discordar.

Esta sequência traz Wade Wilson (Ryan Reynolds, provavelmente o astro da Hollywood atual mais disposto a tirar sarro de si mesmo), o mercenário deformado e quase imortal chamado Deadpool, vivendo em paz com sua namorada Vanessa (Morena Baccarin). E também matando muitos bandidos por dinheiro… Mas no seu caminho logo aparece um jovem garoto mutante, Russell (Julian Dennison), que está sendo perseguido pelo perigoso Cable (Josh Brolin), um mutante vindo do futuro. Para salvar o garoto, e por estar vivendo um momento delicado em sua vida, Deadpool reúne uma equipe, a X-Force, para tentar impedir os planos de Cable.

Claro que essa sinopse nem dá conta da verdadeira loucura deste filme, agora orquestrada pelo diretor David Leitch, substituindo Tim Miller, que comandou o longa original. No primeiro Deadpool, Miller tinha uma sensibilidade meio “desenho animado”, cartunesca mesmo, que ajudava a tornar mais palatáveis algumas coisas daquele filme. Leitch é um cineasta um pouco mais “pé no chão”, como demonstram seus filmes John Wick: De Volta ao Jogo (2014), dirigido em parceira com Chad Stahelski, e Atômica (2017). As sequências de ação de Leitch são mais intensas, um pouco mais reais, embora ainda situadas dentro do universo do Deadpool, que é esfaqueado, jogado como um boneco de pano e quebrado ao meio em algumas cenas. Leitch orquestra uma sequência caótica envolvendo um caminhão no meio do filme, que consegue unir de maneira exemplar os dois mundos, o da ação real de um John Wick com o clima de Looney Tunes para maiores que o original tinha.

É nesses momentos, o de humor e ação visual, que Deadpool 2 mais brilha. A melhor cena do filme envolve os membros da X-Force em ação, ou a caminho dela, chegando a contar com uma rápida ponta de um ator famoso – dentro da equipe, a Domino vivida por Zazie Beets rouba várias cenas, a única figura competente num mar de insanidade e testosterona. Há referências específicas para os fãs das HQs e dos filmes dos X-Men, como a “pochete” de Cable e uma aparição na mansão X. Porém, mesmo assim, algumas das melhores piadas são recicladas do longa original, como a cena em que uma parte do corpo de Deadpool “cresce” após ser destruída, e um momento climático envolvendo o impagável Colossus (Stefan Kapicic).

O que sustenta mesmo o filme é o elenco. Reynolds comanda a festa, embora no início do filme em especial, ele pareça mais aquele tiozinho do “pavê ou pácumê” que todos nós já conhecemos, quando o ator e os roteiristas forçam um pouco a barra para fazer tudo parecer mais divertido do que é – sério, Deadpool 2 demora um pouco para engrenar, com direito até a uma sequência de créditos e uma canção estilo 007 que não têm graça. Mas é inegável que Reynolds se encontrou neste papel e é muito divertido nele, assim como o sensacional Dennison, cujo jeitão já tinha sido revelado no ótimo A Incrível Aventura de Rick Baker (2016). Juntos, Reynolds, Beets, Dennison e Kapicic são responsáveis por quase todas as risadas do filme. Já Brolin é meio desperdiçado. Seu Cable simplesmente não é tão interessante, bem longe do Thanos de Vingadores: Guerra Infinita (2018) – e, claro, Reynolds não se furta a chamá-lo de Thanos ou de incluir uma referência a Os Goonies (1986), outro destaque da carreira de Brolin.

No geral, Deadpool 2 tem um ótimo elenco e um bom diretor – só não é melhor por causa do seu roteiro. A crise do protagonista é tratada como piada, em excesso até para os seus padrões; Cable desperdiça muitas chances de acabar com Russell; personagens mudam de lado e a resolução é exagerada a ponto de até Dennison deixar de ser divertido. Pode parecer idiotice reclamar do roteiro num filme como esse, mas o de Deadpool 2 é zoado e desleixado de uma maneira que o do primeiro não era… Curioso, pois são os mesmos roteiristas do filme original, acompanhados de Reynolds que é creditado na função – será que as ideias do astro pesaram um pouco a mão?

Isso acontece com frequência: Em várias franquias como Piratas do Caribe, Homens de Preto e, em se tratando de Marvel, até a do Homem de Ferro (por que não?), o que pareceu espontâneo e profundamente divertido da primeira vez, se tornou forçado e com um tom acima quando se partiu para as sequências. Deadpool 2 é bom, mas sofre da “síndrome da sequência inferior”, daquela vontade tão grande de fazer tudo super-mega-ultra divertido que acaba, paradoxalmente, deixando as coisas menos divertidas. Até a cena pós-créditos torna meio irrelevante tudo o que vimos, em prol de mais algumas piadas. São piadas boas, pelo menos. Talvez zoação em excesso seja o maior inimigo do Deadpool.