“Nós quebramos janelas, nós queimamos coisas, porque a guerra é a única coisa que os homens escutam! (…)
O que vocês vão fazer? Nos trancar? Estamos em todas as casas, somos metade da raça humana. Você não pode parar todas nós!”

O grito desesperado de Maud (Carey Mulligan) em “As Sufragistas” ainda pode ser escutado nos dias de hoje. Se não pelo direito de votar, é por direitos que já existem, mas que não são respeitados: poder usar a roupa que quiser, ir e vir para onde bem entender, não ser estuprada, ter escolha sobre o próprio corpo etc. Por isso, que um filme como este dirigido por Sarah Gavron estreie em uma época onde o feminismo é comparado com o nazismo (as ‘feminazis’, como adoramos – só que não – ser chamadas) não deixa de ser oportuno.

A exemplo de filmes como “Titanic” e “Platoon”, “As Sufragistas” conta uma história real pelos olhos de uma personagem fictícia. No caso, a já citada Maud. Jovem trabalhadora de uma fábrica, ela descobre aos poucos o movimento sufragista e vê que, ao seu redor, nem tudo está “ok”. Não demora muito para que ela se junte ao grupo de mulheres lideradas pelo ícone Emmeline Pankhurst (Meryl Streep, em uma ponta) e que perceba que “ações são mais poderosas que palavras”.

Responsável pelo roteiro equivocado de A Dama de Ferro, Abi Morgan volta a escrever sobre uma história real e continua a carregar no didatismo, desta vez ao mostrar como Mulligan vai se descobrindo sufragista/feminista. No entanto, a roteirista (que também tem o belo ‘Shame’ no currículo) acerta a dose no sentimentalismo, como quando vemos um dos atos extremos ao fim do longa, ou no momento em que Maud é forçada a abrir mão da família para lutar com as sufragistas.

Carey e Maud

Um dos principais motivos pelos quais “As Sufragistas” não descamba para o melodrama cafona de “A Dama de Ferro”, contudo, não é a economia do roteiro de Morgan, e sim a força de suas atuações.

Não há o que questionar sobre o talento de Carey Mulligan, e aqui ela carrega o filme sem precisar encarnar a mocinha sofredora. Maud tem dúvidas sobre o que está fazendo, mas ao ver o que os homens – sejam eles autoridades, seu chefe ou até mesmo seu marido – fazem com os ideais que defende, se torna uma leoa capaz de tomar à frente o movimento. É um dos melhores trabalhos de Mulligan, infelizmente esquecida nas premiações deste ano.

O elenco feminino, aliás, está muito bem em “As Sufragistas”. Anne-Marie Duff equilibra fragilidade e coragem, enquanto Romola Garai e Helena Bonham Carter têm pouco a fazer. Em sua rápida aparição, Meryl Streep dá a Emmeline Pankhurst a aura de líder necessária para que suas palavras ecoem por toda a projeção.

Brendan Gleeson é o contraponto perfeito às mulheres do filme e cria um antagonista desprezível e não muito diferente de tantos homens que existem até hoje. O trabalho de Gleeson é de certa forma favorecido pela direção burocrática de Gravon, que não economiza no quesito “vamos mostrar que ele é o cara malvado”. Além das atuações, a trilha de Alexandre Desplat é outro elemento que faz o filme fugir um pouco do lugar-comum, principalmente nos momentos em que vemos as mulheres no campo de batalha.

A luta continua

Na época de seu lançamento, “As Sufragistas” foi alvo de críticas por conta de algumas declarações de Meryl Streep (que disse não ser feminista) e pela falta de atrizes negras no elenco. Sobre esse último quesito, as críticas são válidas, porque é uma pena que, em tempos de discussão de mais papeis para minorias no cinema, o filme não dê voz às sufragistas negras e indianas, que também foram fundamentais nessa luta na Grã-Bretanha.

Ainda que não seja um grande filme, “As Sufragistas” é um documento importante de uma época que continua a ser ecoada, como podemos ver nas imagens de arquivo que encerram a obra e na lista de países que aprovaram o voto feminino. Essa luta é mais do que pelo direito de escolher um governante. É pela igualdade e pelo direito de, quem sabe, poder sair com a roupa que quiser e não precisar se preocupar com o que pode acontecer.