Tony Soprano. Walter White. Frank Underwood. Você certamente conhece esses personagens com “nome e sobrenome”. Eles são frutos de uma “era de ouro” das séries de TV a cabo norte-americanas e do streaming que já dura mais de uma década. Os roteiros instigantes e as atuações magistrais de seus intérpretes colocaram esse trio naquele patamar intocável que antes víamos apenas com personagens de cinema tais quais Don Vito Corleone, Travis Bickle e Alex DeLarge, todos também reconhecíveis por nome e sobrenome.

Faltava uma mulher nesse clube seleto. Claro, há as Carries de Claire Danes (‘Homeland’) e de Sarah Jessica Parker (‘Sex and The City’), mas, por mais bem-sucedidas que as séries das duas sejam, não há aquela sensação de agradar gregos e troianos.  Bem, o momento chegou. É só rolar a linha do tempo no seu Facebook que você vai ver alguma referência, comentário ou compartilhamento sobre Annalise Keating, a advogada que ensina seus alunos a “se safar de um assassinato”. Sim, demorei dois parágrafos para falar, mas o tema do texto de hoje é “How To Get Away With Murder”.

Para entender um pouco do que é esse fenômeno, precisamos de outro nome e sobrenome, tão icônicos quanto os que já citei aqui: Shonda Rhimes. Criadora das séries “Grey’s  Anatomy” e “Scandal” e produtora de “How to Get Away With Murder”, Rhimes é uma das histórias de sucesso mais empolgantes de Hollywood. Isso porque, independente de gostar ou não de suas séries (e eu gosto, mesmo com um valor novela + camp indiscutível), há de se admirar o fato de que Shonda não distingue raça, etnia, orientação sexual ou gênero em seus trabalhos; a representatividade é uma de suas marcas, e a forma com que ela desenvolve os conflitos (que são muitos) de seus personagens torna isso tão natural que as pessoas só pararam para pensar nisso quando “Grey’s” (repleto de atores negros, uma latina e uma asiática) já passava das cinco temporadas.

O que me traz de volta a “How to Get Away With Murder”. Na série, acompanhamos um grupo de cinco alunos de Direito que são selecionados para estagiar com a temida professora Keaing. Além dos “casos da semana”, temos um pano de fundo que acaba eclipsando toda a história, com a participação dos personagens em um assassinato.

O desenvolvimento dos personagens é questionável – prova disso é o fato de que o outro protagonista, Wes (Alfred Enoch, que participou dos filmes da série ‘Harry Potter’) é odiado com quase que unanimidade. No entanto, os conflitos nos quais eles se envolvem nos rendem momentos de suspense extremo, evidenciado pela montagem “vai-e-vem” da série e pelos “cliffhangers”* que são resolvidos de forma inesperada. Mais uma vez, temos representatividade para dar e vender, com três atores negros, uma mexicana e romances homossexuais tratados sem o menor tabu, graçazadeus. A série aborda ainda “casos da semana” envolvendo estupro, ataque a transexuais e suicídio.

Mas, é certo dizer que a grande atração de “How to Get Away With Murder” é Annalise Keating. Finalmente em um papel à altura de seu talento, Viola Davis engole o cenário e os parceiros de série mesmo quando não fala nada, tamanha a sua presença de cena. Assim como Bryan Cranston, Kevin Spacey e James Gandolfini, Davis é a responsável pelo fator “icônico” do personagem.

Compromissada ao extremo, a atriz foi quem deu a ideia da cena mais bela da série (e que já entrou para a história da TV norte-americana), no quarto episódio da primeira temporada, quando vemos Annalise se “despir” da maquiagem e da peruca, em uma possível rima à cena semelhante de “Ligações Perigosas” (1988) que de certo lhe garantiu seus merecidos Emmy e SAGs.

A despeito de premiações, “How to Get Away With Murder” ainda tem um longo caminho a percorrer. Há, sim, um fator meio cafona na forma com que a história se desenvolve, mas o saldo final é um suspense que transcende os enfadonhos “dramas de tribunais” e que nos devolve uma atriz capaz de fazer maravilhas com qualquer material. E mais do que isso, como bem disse Viola Davis, “mostra que uma mulher de 49 anos de pele escura pode interpretar uma personagem sexualizada, complicada e misteriosa”. 

Que os produtores e roteiristas de cinema também percebam isso.