Não raro, os sites de crítica de filmes apresentam sua avaliação, geralmente um texto, e uma pontuação que a sumariza. Essa pontuação pode ser apresentada como nota de 0 a 100; 0 a 10; 0 a cinco estrelas; os clássicos “polegar pra cima” e “polegar pra baixo”; o “tomate fresco” e “tomate podre” do popular site Rotten Tomatoes… enfim, são várias as formas de se resumir o que a crítica, no geral, tem a dizer sobre um filme, sendo bastante comum que leitores voltem o olhar primeiramente para essa nota e, só depois, para a crítica em si. Mas até que ponto essas notas realmente refletem a crítica? Por que às vezes não conseguimos concordar com essas pontuações? Seriam essas notas pura balela?

Para responder isso, é preciso primeiro olhar para trás, na história da crítica cinematográfica. A crítica de cinema Irene Thirer é comumente apontada como a primeira a utilizar um sistema de estrelas para resumir uma avaliação de filme, em 1928. É preciso, também, localizar seu feito no tempo e no espaço. Irene escrevia para New York Daily News, numa época em que o star system do cinema norte-americano florescia, apresentando pela primeira vez uma ordenação industrial na produção e distribuição de filmes, que demandava uma forma de consumo rápida e simples dos textos sobre essas obras para o público em geral. Isso impulsionou a crítica a apresentar produções para além das discussões mais voltadas ao campo intelectual, numa época em que o debate “seria o cinema uma forma de arte?” era relativamente novo.

Nesse contexto, Irene deu o pontapé para uma forma mais simplificada de avaliação de filmes. Ela definiu 0 estrelas como “muito ruim”, 1 como “medíocre”, 2 como “bom” e 3 como “muito bom”; ou seja, gerou o embrião de praticamente todas as formas subsequentes de pontuar uma obra. Porém, até o formato realmente emplacar dentre os críticos, foi necessário esperar os anos 1950. Foi quando a hoje renomada Cahiers du Cinéma instituiu o uso do sistema de 0 a 5 estrelas. Curiosamente, é uma das publicações mais respeitadas do mundo a responsável por alçar os vôos das sempre polêmicas notas de filmes.

Programa Ebert e Siskel

Ebert e Siskel popularizaram o polegar pra cima/baixo como forma de sumarizar o veredito sobre um filme.

Por mais que a grife da Cahiers tenha popularizado as 5 estrelas, nunca se criou um sistema único para pontuar um filme. Além dela, alguns ficaram conhecidos ao longo do tempo. Roger Ebert, um dos críticos mais respeitados dos Estados Unidos, por exemplo, é sinônimo de “polegar pra cima” e “polegar pra baixo”. Nos anos 1970, ele e o crítico Gene Siskel apresentavam o programa televisivo Sneak Previews, e juntos trouxeram o sistema para recomendar (ou não) um filme. A nota máxima era expressa por “dois polegares para cima”. Independente da direção para onde apontavam os dedos, as “notas” deles vinham sempre com acaloradas discussões, que o público acompanhava na televisão.

lost highway poster

David Lynch se aproveitou do veredito negativo de Roger Ebert e o utilizou no material de divulgação de “Estrada Perdida”, um dos meus filmes favoritos. “Dois polegares pra baixo! Mais duas razões para ver o filme…”, dispara a peça.

Outro sistema curioso de avaliação é o brasileiríssimo “bonequinho” d’o Globo. Em 1938, ele foi usado pela primeira vez para avaliar um filme. Idealizado por Rogério Marinho e pelo poeta Edmundo Lys, o bonequinho desenhado por Luiz Sá avalia os filmes de forma a expressar sua “nota”, da melhor à pior: aplaudindo de pé, aplaudindo sentado, dormindo na cadeira e indo embora do cinema. De 1938 pra cá, o bonequinho sofreu algumas mudanças, mas seu método permanece até hoje.

Bonequinho do Jornal O Globo

“O bonequinho viu” sumarizou avaliações de filmes a partir de 1938 n’O Globo.

O Cine Set também possui sua forma peculiar de pontuar um filme. Apoiando-se diretamente no que é exposto nos textos, cada crítico define uma nota geral para o filme, que varia de 0 a 10. Depois, elenca três elementos da obra que lhe chamaram a atenção, positiva ou negativamente, atribuindo-lhe também uma nota 0-10. Nem sempre a média dessas três notas é igual a nota geral do filme, pois 1) somos de humanas e 2) não são apenas esses três tópicos (que, aliás, quase sempre variam de filme para filme) que estão em jogo na definição da nota geral.

Método de nota do Cine Set

O Cine Set destaca três pontos do filme para dar uma nota, além da nota geral da obra.

Mas afinal, o que exatamente define o número de estrelas, polegares, posição de bonequinho ou o que quer que o crítico use para sumarizar sua avaliação de um filme? A resposta é difícil de definir com certeza, mas temos alguns guias. O primeiro e mais essencial é o texto-base do crítico, no qual ele deve apresentar as devidas argumentações para defender ou atacar os pontos que destacou da obra. Um bom crítico (ou, pelo menos, alguém que pretende atingir tal patamar) é definido pela capacidade de defender suas ideias, as quais recomenda-se estarem embasadas pelo conhecimento de aspectos técnicos, artísticos, históricos e outros que permeiam o cinema e/ou a temática do filme.

É a partir disso que ele pode começar a pensar em uma nota. Tal como a escrita da crítica em si, há um componente de subjetividade que nunca se descola da tarefa. Isso se dá porque, de acordo com variados teóricos que se debruçaram ao tema, analisar um filme perpassa inevitavelmente senti-lo, e não há como (e nem se deve) distanciar-se totalmente disso, sob pena mesmo de não entender nada do filme. Cabe a cada crítico ponderar razão e emoção para atingir seus argumentos no texto escrito e, por conseguinte, na nota.

No meu caso, por exemplo, a nota sobe para obras cuja temática defendo como relevantes, por mais que o formato deixe a desejar em algum aspecto. Por conseguinte, filmes de temas menores também podem alavancar suas notas se os aspectos técnicos e uso da linguagem se provarem inovadores ou dignos de nota por algum motivo. Isso vale para todos os críticos? Não. Se você esperava uma ciência exata, veio ao lugar errado. Também estamos nós, os críticos, imbuídos por emoção, mas tentamos equilibrá-la a partir de nossa maior arma, a argumentação, já que apenas dizer “gostei” ou “não gostei” não se configura como crítica cinematográfica.

Bem-vindo ao século XXI

Com a popularização da web, uma mudança curiosa chegou à crítica cinematográfica e ao modo como ela vinha pontuando os filmes desde então. Um jovem crítico pode, tal como seus predecessores, dar uma nota a um filme, mas também há hoje a opção vista em sites como o Rotten Tomatoes ou o Metacritic, que funcionam como agregadores de críticas. Isso quer dizer que a nota que se vê para um filme ali não é dada por uma só pessoa, e sim calculada como média ponderada de várias críticas.

Dessa maneira, a crítica inicia o século XXI tendo o braço da tecnologia se infiltrando em uma das formas mais subjetivas de se avaliar um filme. Regra geral, funciona da seguinte maneira: cada site possui uma pessoa para definir quais críticas de quais veículos devem ser levadas em consideração. Depois, cada crítica selecionada tem a sua pontuação ajustada para um único sistema: se a nota deve ser de 0 a 100, sites que usam o sistema de 0 a 5 estrelas, por exemplo, sofrem o ajuste para a devida numeração. Quando todas as notas de todas as fontes são ajustadas, aí sim se tira uma média, somando todas elas e dividindo pelo número total. Quem faz as contas todas? Um sistema computadorizado.

Essa nova configuração da crítica traz três principais inovações: a primeira é que dá um caráter mais “democrático” ao processo, pois uma única nota apresenta, na verdade, uma infinidade de outras notas em seu interior. Não é apenas o olhar de um único crítico que está sumarizado ali, e sim a avaliação de vários profissionais. Isso também tem o potencial de expandir os conhecimentos do internauta, já que um site como o Rotten Tomatoes lista os links de todas as suas fontes.

Nota de Moneyball no Rotten Tomatoes

O Rotten Tomatoes é um dos mais famosos agregadores de críticas. Ele computa tanto a nota dos críticos como do público em geral.

A segunda mudança trazida pelos agregadores de críticas é que as notas não são mais fixas: elas variam no decorrer do tempo. É comum que um filme que gera hype tenha uma nota alta na primeira semana de exibição, para depois ela baixar aos poucos no decorrer do mês. A nota, de certa maneira, se torna “viva” e acompanha as mudanças e pluralidade da crítica.

A terceira grande transformação que os agregadores de crítica trouxeram foi a mudança no papel do próprio crítico: ele divide o espaço virtual com discussões do público em geral. Mesmo em sites como o Rotten Tomatoes ou o renomado Metacritic, o internauta pode também dar sua nota, e se quiser, escrever um comentário ou sua própria resenha do filme. Essa nota é computada e exposta com destaque no site. Logo, não se tem mais o crítico como uma figura de autoridade, e sim como um provocador: ele pode dar início à conversa sobre um filme, mas dificilmente dará a última palavra…

Nota de Moneyball no Metacritic

O Metacritic serve de “fonte” até para as notas do IMDb. Ele também guarda um espaço para as notas de internautas em geral, o User Score.

Pontuar pra quê?

Com tudo isso, qualquer pessoa que curta ler críticas pode ver como as validações dadas tem um caráter duplo: são tanto quantitativas, caráter esse expresso de forma explícita pela nota dada ao filme; como qualitativas, pois resumem ou servem de porta de entrada para toda a argumentação e conhecimento do crítico. Sendo resultado de uma produção não só intelectual, mas também emocional, as notas e a crítica como um todo não pretendem, especialmente hoje, ter uma autoridade suprema sobre a obra.

Aliás, essa autoridade foi totalmente transformada pelas formas de interação na web, na qual qualquer internauta pode analisar um filme sem estar atrelado a um veículo especializado. E isso é ótimo, pois estimula a cinefilia e abre as portas para o exercício do pensamento crítico no geral, e não apenas para pessoas que tem interesse em se tornarem críticos profissionais. Logo, não precisa ficar tão raivoso quando aquele filme que você gostou tanto leva uma nota baixa; pontuar é um recurso interessante, mas longe de ser definitivo.

P.S: Para quem curtir discussões mais cabeçudas sobre agregadores de críticas, esse foi o tema da minha dissertação e de artigos científicos como este aqui. Se quiser trocar figurinhas sobre o assunto (principalmente outras pesquisas!), é só ver meu contato na bio. 😉