Frankie teardrop ressoa na profusão de imagens pixelizadas. A música lembra um rito ou suicídio – não por acaso, Suicide é o nome da banda que a executa. Já a baixa qualidade das telas – dos celulares, computadores – mostradas na tela – do cinema – lembram um jogo no qual a iconicidade implacável das fotos de um Diego (Diego Bauer) obeso contrasta com as manipulações de ângulos, filtros e truques que intensificam o impactante resultado de sua dieta. Mas o olhar dele nas fotos e fora dela, esses denunciam um desespero traduzível talvez apenas pelos gritos que invadem a canção.

O sentimento de desconforto é a tônica de Obeso Mórbido. Esse estranho filme do ator e diretor Diego Bauer, em co-direção com Ricardo Manjaro (do fantástico A última no tambor), entrega ao espectador algo que destoa da tônica construtiva (e, a bem da verdade, necessária) nas abordagens mais tradicionais acerca do tema da autoaceitação e luta contra padrões impositivos de beleza, especialmente aqueles influenciados pelo consumo de mídias digitais como Instagram, Facebook e companhia.

Bauer e Manjaro estão, definitivamente, focados em passar esse senso de agonia gerada pela comparação entre um eu real e os outros eus fragmentados e editados das redes. Mais que isso, os diretores entregam um protagonista completamente obcecado em se enquadrar num padrão que parece palpável, posto que pode ser captado como imagem, mas que nunca sacia o Diego-personagem enquanto ser humano. Os quilos claramente se foram, mas ele sente a ausência de um algo mais que nunca se traduz em nível visual ao longo do filme.


Olhar-nos no espelho pode ser feio

O fato de Obeso Mórbido não ser um filme “construtivo” e “pra cima” é gritante. Mas também é gritante que ele reflete bem como uma pessoa pode ficar transtornada a partir do um contato alienado e mediado com o resto do mundo, especialmente quando as mensagens se codificam não como texto, mas como imagem. Consigo imaginar um espectador assistindo a esse filme, pensando em como quer odiar aquilo que, no fundo, tememos ser verdade: os padrões nos danificam e os reparos são mais remendos que qualquer outra coisa.

Ou pelo menos esse é o ponto em que encontramos o protagonista, o que já é o suficiente para desenvolver os sentimentos mais conflitantes sobre ele. No desenvolvimento trazido pelo roteiro, o Diego-personagem é vítima e algoz: vê-se incompleto mesmo após atingir sua meta com “força, foco e fé”, mas continua reproduzindo discursos vazios; tenta se satisfazer impondo sua nova forma (mesmo que apenas dentro de sua cabeça) como imperativa ao gordinho da academia; caça mulheres na festa porque esse é seu “direito” de “macho padrão”.

Acerca desde último tópico, o senso de desprendimento associado à noção de masculinidade é bem apresentada em Obeso Mórbido. Não me soa algo tão proposital isso no filme, mas é rico perceber nele as nuances do impacto da obsessão com o corpo num homem, posto que a discussão sobre como os padrões de beleza impostos a mulher são, hoje, mais amplamente debatidos. Há algo de autoflagelação, uma vontade de se comprimir nas grades que o machismo acaba, inevitavelmente, impondo também aos homens – grades diferentes das destinadas às mulheres, mas também limitadoras.

Assim, sentimo-nos triste por esse protagonista e, ao mesmo tempo, seus muito humanos defeitos fazem com que sintamos certa aversão a ele. Com tudo isso, percebe-se uma construção complexa de personagem, capaz de suscitar algo ao espectador num nível visceral e que nos faz encarar nossos próprios preconceitos cotidianos. Afinal, olhar-nos no espelho pode ser feio de várias maneiras diferentes, coisa que a montagem de Eduardo Resing consegue transmitir, metafórica e literalmente.


Detratores justos

Pelo menos uma acusação os detratores de Obeso Mórbido não poderão proferir: a de que o curta não é coeso em seu roteiro e direção. É perceptível o quanto o trabalho de Manjaro como diretor influencia explicitamente o visual do filme, trazendo um senso de estilo ainda não visto na direção de tom elíptico de Bauer. É algo que equilibra o duo, uma vez que o último já domina como roteirista e protagonista. Sobre isso, as fronteiras embaçadas entre o que seria documental e ficcional na trama (posto que o ator, de fato, passou pela transformação física) geram ainda uma inquietação adicional ao filme.

Dito isso, os possíveis detratores do filme tem um alvo mais fácil: o fato é que há uma perda de fôlego que Obeso Mórbido sofre na virada para o último ato. A intensidade de Frankie teardrop chega perto de se esvaziar em alguns momentos, como quando o protagonista se põe como modelo vivo ou quando se masturba em frente ao espelho – duas cenas narcisistas que, aliás, poderiam ter uma potência absurda se manejadas de outra forma. Mesmo a corrida ao vazio, uma eficiente cena final, não consegue alcançar a pujança do incômodo esmurrado contra a cara do espectador no início do filme. A impressão que fica é a de que corremos como ele, não sabendo exatamente onde se chegou.