Em 118 Dias, o comediante, ator e apresentador de TV Jon Stewart estreia como diretor de cinema contando uma história sobre luta jornalística e liberdade de expressão, dois temas que ultimamente vêm ganhando muita importância no debate mundial. Como filme, 118 Dias tem suas limitações, mas o enfoque de Stewart na história, baseada em fatos reais que tiveram muito a ver com o próprio apresentador, até certo ponto supera esses problemas e garante o interesse do espectador.

O filme conta os eventos ocorridos na vida do jornalista iraniano Maziar Bahari, interpretado por Gael García Bernal. Em 2009 Bahari, que era correspondente da revista “Newsweek”, estava cobrindo as controversas eleições presidenciais em seu país. A disputa estava entre o atual presidente, Mahmoud Ahmadinejad, conservador, religioso e anti-Ocidente; e o mais progressista Mir-Hossein Mousavi. Por um momento pareceu que Ahmadinejad perderia, mas surpreendentemente a eleição lhe garantiu a vitória, o que despertou a suspeita de todo o mundo e provocou protestos generalizados pelo Irã. Alguns dias depois dos protestos, Bahari foi preso em casa. Vários itens no seu quarto foram considerados “pornográficos” e, por consequência, evidências de um crime: um LP de Leonard Cohen, fitas com episódios de Família Soprano e uma revista com a atriz Megan Fox na capa.

Algumas semanas antes de ser preso, Bahari esteva nos Estados Unidos e apareceu num esquete cômico do The Daily Show, programa apresentado por Stewart há anos, no qual conversava com um ator que interpretava um espião americano. Claro que as autoridades iranianas não tiveram senso de humor – um traço comum a todos os governos opressores – e apesar dos protestos de Bahari, o esquete se tornou forte evidência contra ele, que ficou encarcerado e foi torturado por quase quatro meses. Esse incidente chamou a atenção de Stewart, que depois quis adaptar para o cinema o livro de Bahari “Then They Came For Me”, relatando a sua experiência.

Stewart filma a história, durante a sua primeira e mais interessante metade, com um tom de urgência e ar documental. A câmera na mão segue os personagens e auxilia a transmitir a tensão necessária. A produção também reconstitui adequadamente alguns dos protestos iranianos, intercalando-os com cenas de arquivo. Ao longo deste trecho do filme, vemos como há na sociedade iraniana um forte desejo por mais abertura e mais liberdade de expressão – Stewart, através da investigação de Bahari, mostra os jovens que desejam ter acesso à informação, e um deles até brinca sobre a “Universidade Parabólica”, um conjunto de antenas num telhado abaixado que dá acesso à TV internacional e internet para a comunidade.

Nesse momento também fica claro o temperamento do jornalista/protagonista: apesar de cobrir os tumultuados acontecimentos em seu país, no filme Bahari se mostra meio receoso. Numa cena ele diz ao companheiro da Universidade Parabólica, a qual ele se recusou a filmar, que sabe até onde pode ir. Pois os limites da sua coragem passam a ser testados após a sua prisão.

Infelizmente, depois que Bahari é preso o filme de certa forma também se vê encarcerado. A segunda metade do longa se passa praticamente dentro da cela de Bahari ou da sala onde ele é interrogado, e o dinamismo e interesse da primeira metade praticamente desaparecem. Stewart até faz o que pode para deixar essas cenas mais interessantes visualmente, e em alguns momentos até faz com que o protagonista tenha conversas imaginárias com seu pai e sua irmã, militantes que também foram presos e torturados lutando contra a repressão no Irã. Porém seu esforço não é inteiramente bem sucedido e, do ponto de vista narrativo, 118 Dias também empaca e perde o ritmo.

Se as cenas de tortura e interrogatório de Bahari logo se tornam repetitivas e tediosas, pelo menos o filme cria um retrato complexo do personagem do torturador. Javadi, interpretado por Kim Bodnia, não se mostra particularmente sádico, pelo contrário: para ele, Bahari é só mais um trabalho. O que não significa que ele goste do serviço, e a forma como o filme sutilmente encontra espaços para mostrar a própria descrença das autoridades iranianas nesse processo é interessante. Bodnia está muito bem no papel e consegue transmitir lampejos de emoção e incredulidade em Javadi que o deixam mais humano aos olhos do espectador. Ele atua bem com Bernal, que está ótimo como sempre, embora sua escalação como iraniano seja meio estranha – a presença dele atrai público para o filme, claro, mas não deixa de se destacar em meio aos demais atores iranianos que interpretam membros da sua própria nacionalidade.

Mesmo assim, no fim das contas o ator consegue retratar a transição do personagem, que mantém um pouco de coragem ao passar por essa experiência. Uma das armas que ele usa para vencer seu torturador é o humor – claro, ele não poderia faltar num trabalho comandado por Jon Stewart. Ao falar a Javadi sobre as “massagens sexuais”, atraindo assim a atenção daquele homem que vive uma existência tão repressora, Maziar Bahari o humaniza e também a todos os iranianos. Segundo o filme, a maior parte deles só quer o que todos nós queremos: viver bem e em paz, com pelo menos um pouco de liberdade para decidir sobre as próprias vidas. 118 Dias, no fundo, tem esperança de que a abertura do Irã e a liberdade de pensamento vão modificar essa sociedade para melhor, assim como Bahari também não perdeu a sua esperança. E mais: o filme vê esse processo como inevitável.