Se o título da animação “Bizarros Peixes das Fossas Abissais” já chama atenção, o mesmo ocorre com a sua premissa: o encontro inusitado de uma mulher com superpoderes exóticos (sua bunda vira um gorila gigante), uma tartaruga que tem Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) e uma nuvem que sofre de incontinência pluviométrica. Os três partem na busca de juntar peças de um jarro ao redor do mundo que indicará o caminho para um mapa de uma cura salvadora. Durante a missão vão ter que enfrentar rinocerontes extraterrestres e os peixes estranhos que habitam as fossas do título, em suma, uma trama excêntrica na sua estrutura fílmica. 

“Bizarros Peixes das Fossas Abissais”, marca a estreia de Marcelo Marão em longa-metragem de animação, mas engana-se quem pensa que ele está iniciando a carreira agora: o diretor já tem na bagagem uma experiência de três décadas como realizador de curtas-metragens na área. Não à toa que chamou o ícone da dublagem brasileira Guilherme Briggs para fazer um dos personagens ao lado de Natália Lage e Rodrigo Santoro. 

Aqui, Marão cria uma divertida e inventiva animação, com uma narrativa repleta de elementos fantasiosos e personagens excêntricos dentro das suas particularidades pessoais. 

DE MONTY PYTHON A BOB ESPONJA

Para quem já assistiu aos seus curtas – recomendo “Eu Queria Ser um Monstro” e “Até a China”, ambos disponíveis no YouTube – Marão traz deles a estética de traços elaborados que se misturam com aqueles mais simples e informais, prezando o estilo caricatural e que faz o bom uso nas escolhas das cores. E acompanhado este visual retro criativo – méritos da dupla Rosaria e Fernando Miller, parceiros de longa data do diretor – temos a narrativa livre, frenética com os personagens atuando em esquetes independentes de cenários ou de um senso lógico. 

Neste sentido, “Bizarros Peixes das Fossas Abissais” tem uma espinha dorsal que se destaca pelos elementos insólitos, que facilitam Marão a improvisar e inventar nas diversas “missões” que o trio protagonista precisa enfrentar na sua trajetória. Sem se prender as amarras narrativas, o filme explora com sabedoria os aspectos nonsenses com tiradas espirituosas à la Monty Python, além de abraçar o absurdo do cartoon clássico de Pernalonga até flertar com o contemporâneo de O Fantástico Mundo de Bobby e Bob Esponja. 

Difícil não se envolver com a tartaruga, de longe, o personagem mais adorável da animação. Dublada por Santoro, ela tem os trejeitos que divertem o público, pelo seu estilo organizado e estressado, lutando contra a própria obstinação de organização, criando um ótimo vínculo emocional com o público. 

VIAGEM DA EXCENTRICIDADE

Um ponto curioso é que, apesar da criatividade, “Bizarros Peixes das Fossas Abissais” tem uma linha narrativa simples que segue a tradicional jornada do herói (aqui da heroína) que, de certa forma, deve ressoar bem com o público acostumado ao cinema comercial e aos fãs de quadrinhos da cultura pop atual por respeitar os aspectos dos arquétipos. Alinhado a isso, aposta também em um drama familiar mais humano que ajuda a reger, sobretudo, o espírito fílmico e, assim, contrabalancear as suas maluquices. 

Ainda que goste das metáforas emocionais que o roteiro aborda sobre um tema pesado – as doenças mentais de envelhecimento – e as memórias afetivas que preservamos durante a vida adulta, senti que faltou um melhor aprofundamento por parte do roteiro, algo que afeta principalmente no desfecho dele, com uma mensagem moral abaixo do que esperada para uma animação. 

Inclusive, quando o trio chega na chamada fossas abissais do título (o último ato), ainda que seja um espetáculo visual bonito de se acompanhar pela forma como Marão e a equipe constroem aquele cenário repleto de peixes estranhos coloridos no meio da escuridão, é evidente que o segmento em si apresenta uma narrativa cansativa na sua proposta, o que diminui a reflexão e os simbolismos trazidos por ela, gerando um sentimento de um final descompassado que tira, por sua vez, o impacto da força dramática. 

No fundo, “Bizarros Peixes das Fossas Abissais” acerta no seu pilar narrativo autêntico quando se liberta dos vícios do cinema atual ao deixar de lado a lógica e apostar na sua viagem excêntrica. Agora quando tenta equilibrar isso com uma abordagem mais dramática e realista é que ele meio que se perde na sua própria identidade. Ainda assim, uma animação que pelo seu despojamento de ser live, entrega momentos adoráveis de serem conferidos.