“12 Anos de Escravidão” guarda semelhanças com “O Pianista”: ambos não trazem nada inédito ao que já conhecemos, porém, a espiral de insanidade vista no decorrer da trama torna dolorosa e marcante a experiência. Tudo visto a partir da ótica de um sujeito comum transformado em alvo de atrocidades por causa da cor da pele ou da crença religiosa. O peso de assistir a essas obras deixa o público se questionando ao final: como a humanidade pode chegar ao ponto de cometer tal barbárie?

Indicado a nove categorias do Oscar 2014, “12 Anos de Escravidão” narra a história real do músico Solomon Northtup (Chiwetel Ejiofor), homem casado e pai de dois filhos vivendo em Nova York, onde os negros são livres. Porém, após uma viagem a Washington, ele acaba sendo sequestrado e levado para uma fazenda no sul do Estados Unidos ao ser vendido como escravo. No decorrer da trama, ele segue para a propriedade do sanguinário Edwin Epps (Michael Fassbender) e somente restará escapar vivo a cada dia.

As escolhas do diretor Steve McQueen (“Shame”) definem o sucesso de “12 Anos de Escravidão”. Isso porque o cineasta opta por uma abordagem forte, porém, natural da violência sofrida por negros. O maior exemplo disso aparece quando Solomon fica enforcado a uma árvore durante horas, enquanto a rotina da fazenda segue sem distúrbio. Essa banalidade do horror como algo cotidiano daquela sociedade deixa o público desconcertado, já que são atitudes tão cruéis e insensíveis que chocam saber que um dia realmente ocorreram. Não à toa que o pedido de suicídio de um personagem seja algo natural e faz com que você torça para que aconteça, pois, somente assim o sofrimento pode chegar ao fim. A trilha sonora de Hans Zimmer com tons pesados e os efeitos sonoros das pancadas deixam o clima ainda mais carregado.

Dentro desse contexto social, Deus acaba sendo uma figura elementar e com funções distintas na trama. Como uma boa desculpa para as crueldades que fazem, os donos da fazendas e capatazes retratados na trama utilizam a Bíblia como justificativa para seus atos. Seja na figura do inseguro William Ford (o ótimo Benedict Cumberbatch) ou no insano Edwin Epps, momentos de referência a palavras divinas parecem aliviar os abusos cometidos contra os negros. McQueen, porém, é habilidoso ao apontar a ironia daqueles discurso ao intercalar com cenas de violência. Já para os escravos, a figura de Deus serve como a única força capaz de trazer paz e esperança, sendo símbolo disso a bela cena em que Solomon se entrega ao canto religioso.

Cair na caricatura era o maior desafio do elenco de “12 Anos de Escravidão”. O talento dos atores escalados foge dessa armadilha ao compor figuras humanas e não meros pobres coitados. Ejiofor carrega a alma do filme com o olhar sofrido e assustado em uma interpretação mesclando a incredulidade ao ser submetido à violência e à tentativa de sobreviver ao ser colocado nas fazendas de algodão no Sul dos EUA. A fragilidade física de Lupita ajuda a compor a escrava Patsey. Porém, o plano-sequência do açoitamento dela mostra o potencial dessa atriz iniciante. Fassbander mostra o motivo dele ser considerado uma das principais promessas do cinema americano ao construir um sujeito desequilibrado com um ódio doentio.

Mesmo com um final problemático pela má inserção de Brad Pitt e tudo ser solucionado de forma apressada, “12 Anos de Escravidão” se torna a obra definitiva sobre o abuso cometido contra os negros nos EUA, deixando “Django Livre” como um leve entretenimento. A quebra da quarta parede com o olhar de Solomon ao espectador deixa a mensagem de McQueen: um apelo a humanidade e a consciência de cada um para que a monstruosidade exibida ao longo dos 133 minutos não se repita mais.

12 anos de escravidão cartaz original pôster

PS.: quando o Brasil fará uma trama digna sobre o massacre indígena ocorrido na época da colonização?