Quando o movimento da Nova Hollywood acabou e o paradigma do cinema norte-americano, a partir da década de 1980, passou a ser a busca pelos blockbusters, surgiu o termo high-concept. Esse jargão da indústria de Hollywood delineava a importância do conceito: para os estúdios, quanto mais fácil fosse explicar o conceito do filme – de preferência com poucas palavras – maiores as chances de sucesso nas bilheterias e mais valor um roteiro poderia ter. Ora, qualquer espectador conseguia explicar Poltergeist (1982) – “família mora em casa assombrada e os espíritos sequestram a filhinha caçula” – ou Gremlins (1984) – “criaturas estranhas promovem desastres e balbúrdia na noite de Natal” – ou Atração Fatal (1987) – “pai de família tem caso extraconjugal e a amante psicótica lhe inferniza a vida” – para seu colega de trabalho, amigo ou familiar, com poucas palavras, de forma direta. E não à toa, todos esses filmes foram sucessos. Isso era o high-concept: o conceito era o que importava para os estúdios.

Essa mentalidade, apesar de até ter rendido uns bons filmes, com o tempo ajudou a “emburrecer” o cinema norte-americano. Afinal, ela não dá conta de que, muitas vezes, o melhor de um filme é a complexidade da sua narrativa, e o que se pode fazer de novo com premissas batidas. Pois bem, eis que este Brightburn: Filho das Trevas força o espectador mais atento a se confrontar de novo com o high-concept. Os roteiristas deste filme, os irmãos Brian e Mark Gunn; o produtor James Gunn, responsável por Guardiões da Galáxia (2014), e o diretor David Yarovesky, com certeza viabilizaram o projeto no estúdio Sony por causa do conceito. E o conceito é: “Imagine a história da origem do Superman… Só que agora ele é do mal”. Eles tinham o conceito… Pena que se esqueceram de todo o resto.

No início da história, o casal Breyer é visto tentando ter um filho. Eis que ele vem do céu, trazido por uma cápsula espacial. Dez anos depois, o menino Brandon está entrando na puberdade e seus poderes começam a se desenvolver: grande força, raios saindo dos olhos, uma tendência a fazer desenhos estranhos à la qualquer aspirante a serial killer da Terra. Quando pessoas começam a morrer, os pais têm de confrontar seu filho superpoderoso, que cria um símbolo – não é um “S” – e um uniforme de super-vilão para si mesmo, com direito à máscara esquisitona. As diabruras que ele realiza na primeira metade do filme perdem impacto porque estavam quase todas no trailer do filme…

SEM IDEIAS, SEM SUSTO

O que não estava no trailer é a falta de imaginação do filme, que realmente não faz nada de muito interessante com seu conceito. A proposta de um “Superman maligno” não é necessariamente ruim, e já foi explorado nas próprias HQs da DC Comics e até no recente videogame Injustice. Porém, em Brightburn, esse conceito não recebe nenhuma justificativa psicológica: Brandon é do mal porque sim, e é tão mau que acaba ficando ligeiramente engraçado em alguns momentos – quando ele começa a falar numa língua alienígena, é difícil conter os risos. O jovem ator, Jackson A. Dunn, tem um rosto e uma presença interessantes e até atua bem, mas não teria sido mais interessante vermos a deterioração psicológica dele, de preferência provocada pela humanidade ao seu redor? Nada disso ocorre no filme… O garoto é mau porque o conceito exige, porque os roteiristas o colocaram acima da própria história.

Ele também é mau porque este é um filme, na verdade, sobre outros filmes, e tanto os roteiristas quanto a plateia sabem disso. Quando a mãe dele, vivida por Elizabeth Banks, diz a Brandon que era seu destino vir à Terra e que ele é especial, na trilha toca um tema no piano que é até parecido com o tema similar de O Homem de Aço (2013), a mais recente encarnação do Superman nas telas. O visual rural do Kansas também é o mesmo que já vimos nos filmes antigos do Superman.

“Brightburn” faz referência a outros, mas apenas pela vontade de distorcer as referências. Remete a outros, de terror mais especificamente, também na mediocridade, usando os velhos jump scares, ruídos altos na trilha sonora, para assustar o público; e clichês como personagens que só aparecem para morrer e o fato de que, mesmo com várias coisas sinistras se acumulando, a mãe de Brandon se recusa a acreditar na culpa do filho. Banks, uma atriz esforçada, até tenta vender esse peixe com sua atuação, mas não consegue fazer milagres.

Apesar de Brandon fazer milagres durante a história, Brightburn é um filme de terror até bem rotineiro. Não traz surpresas e se encerra exatamente como o espectador espera. Parece também que faltou verba para algumas cenas – a queda da nave que traz Brandon à Terra nem é mostrada de verdade. Pelo menos, serve para comprovar que cinema não se faz só com uma única ideia – é preciso várias, especialmente das boas, para se realizar um bom filme. Várias obras do passado que se apoiavam em conceitos simples entendiam isso e ofereciam elementos a mais. Alguns até viraram jovens clássicos. Brightburn mostra que apenas um high-concept safado, embora até interessante, não é suficiente.