O diretor Yorgos Lanthimos pode não ter inventado o drama de época descontraidão, mas certamente fez um dos mais divertidos exemplares do gênero. Seu “A Favorita” (João Emanuel Carneiro deve estar doido por não ter requerido a patente desse título) é o filme mais esquisito da temporada de premiações este ano e talvez seu maior dedo médio à indústria seja justamente não se levar tão a sério e divertir muito o espectador no processo.

Sua Inglaterra é rendida cheia de anacronismos propositais, com danças e comportamentos totalmente fora de época. Seu linguajar e estética bebem diretamente da fonte da Nova Onda Grega, movimento cinematográfico que catapultou Lanthimos para o sucesso internacional. Tudo isso em prol de um filme que é abertamente uma comédia que genuinamente faz rir.

É curioso ver o realizador grego trabalhando nesse modo. Como este é o primeiro dos seus projetos em que ele não tem participação no roteiro, o humor cáustico característico da sua obra aparece aqui muito mais escrachado e físico – e funciona largamente por conta do fenomenal trio de atrizes que ele tem à disposição.

Olivia Colman, prestes a ganhar fama internacional sucedendo Claire Foy como a Rainha Elizabeth II na série “The Crown”, interpreta uma Rainha Anne insuportável, porém digna de compaixão. No entanto, a trama é realmente dominada pelas rivais que disputam sua atenção, a duquesa Sarah (Rachel Weisz) e a servente Abigail (Emma Stone).

Weisz é uma atriz subestimada que está tendo uma ótima fase (“Desobediência”, de Sebastián Lelio, está entre seus melhores trabalhos recentes) que entrega uma duquesa maquiavélica que, como Cersei, da série “Game of Thrones”, almeja um senso de controle negado ao seu gênero. Já Stone traz seu conhecido talento para a comédia pastelão para jogo, no afã de criar uma “mocinha” que está longe de ser pura e inocente.

Muito da divulgação do filme tem focado no quão ímpar um filme focado em três mulheres é e no quão complexas essas personagens são, o que me deixa um pouco triste de estarmos num mundo em que esse tipo de coisa ainda seja digna de nota e em que pessoas precisem quase justificar histórias femininas com complexidade, como se isso fosse algo naturalmente alheio a essas histórias.

Em “A Favorita”, independentemente de contextos, temos um conto sobre mulheres que lutavam como podiam para fazer seus interesses, a despeito de uma sociedade completamente hierarquizada à sua revelia. A maneira como seus desejos perpassam e interagem com suas ambições é o que move o longa – desejos esses estranhos e cheios de som e fúria como a própria produção. É zebra no Oscar que chama?