Em pouco tempo de carreira, a diretora australiana Kitty Green já se mostrou uma realizadora capaz de provocar desconforto ao escancarar a inércia e a conivência social perante o assédio sexual no ambiente de trabalho – em um dos primeiros projetos pós-Time’s Up a reproduzir o modus operandi de Harvey Weinstein, nada menos. Do escritório de “A Assistente”, ela volta ao seu país natal para uma trama que explora os instintos que se confirmam de forma trágica.  

Em “The Royal Hotel”, ela retoma a parceria com Julia Garner (protagonista do longa anterior), que agora aparece na companhia de Jessica Henwick. Juntas, elas vivem jovens canadenses que partem para uma temporada de trabalho em um pub no meio do deserto australiano – mais conhecido como Outback.  

Antes fosse o famoso restaurante de mesmo nome que a região, mas a realidade do filme de Green é bem menos “Austrália para o mundo ver”, e bem mais internalizada: as paisagens locais bem exploradas pela diretora não são um convite à aventura, e sim um retrato de puro isolamento. Ao mesmo tempo, o bar no qual Hanna (Garner) e Liv (Henwick) trabalham é mal iluminado, e frequentado quase que unicamente por homens – e, ao menos para esta que vos escreve, isso é o suficiente para que bata um certo pânico. Para onde correr de um inevitável assédio? Para quem gritar? O que vai acontecer com elas? 

O sentimento logo é compartilhado por Hanna, que parece gritar para ninguém escutar. “É apenas uma piada” talvez seja uma das frases mais repetidas ao longo de uma hora e meia de projeção, de forma a aumentar o desespero da personagem a cada vez que é proferida. É uma ameaça que paira a cada novo personagem masculino que surge, ainda que eles se revelem inofensivos no fim das contas. Talvez uma volta de carro cantando um hit oitentista de Kylie Minogue seja apenas uma volta de carro cantando um hit oitentista de Kylie Minogue, afinal.  

E Green toma seu tempo. Apesar de curto, “The Royal Hotel” anda em, por vezes, irritantes 40 quilômetros por hora. Como aquele motorista impaciente que está atrás do veículo nesta marcha lenta, o ritmo contribui na construção de um suspense totalmente palpável. Hanna não está louca e as micro agressões disfarçadas de “piadinhas” se acumulam. Ela talvez seja a única que ainda tem forças para gritar, porque, por mais que a fuga dali seja difícil, ela não é totalmente impossível para ela e nem Liv. Elas estão só de passagem naquele lugar. E às mulheres que continuarão ali? O que resta? 

*Visto na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo 2023