Em uma determinada cena de “A Floresta Que Se Move”, releitura moderna do clássico peça shakespeariana “Macbeth”, um porteiro bêbado de um banco monologa, ao ouvir um bater de porta: “Isso sim é que é bater! Quem fosse porteiro no inferno não faria outra coisa senão virar a chave. Bate, bate, bate, quem está aí, em nome de Belzebu?”.

“Ué, mas não era uma releitura moderna?”. Sim e não. Talvez o diretor Vinicius Coimbra saiba, talvez não. Ele mesmo já disse que “ninguém mais lê”, em uma entrevista cedida a uma revista semana passada, aproveitando para declarar que o que deseja é levar histórias clássicas às pessoas (seu filme anterior é uma elogiada adaptação de “A Hora e a Vez de Augusto Matraga”, de Guimarães Rosa).

A questão é que nem a história clássica (e estamos falando de uma peça de Shakespeare) salva seu novo projeto de sua indecisão: o roteiro, co-escrito por Vinicius e Manuela Dias, não sabe se realmente quer atualizar o Bardo ou reaplicar o texto tradicional num contexto moderno para ver se cola. O filme, como um todo, tampouco parece se decidir se quer ser cinema ou teatro, com a maioria do elenco falhando em agir conforme a regra do “menos é mais” que, noves fora, rege a Sétima Arte.

Pra ilustrar melhor, vamos colocar alguns pontos aqui:


(NEGATIVO) Roteiro

O filme até poderia ser considerado uma tentativa louvável de drama de qualidade para conter o batalhão de comédias nacionais que chega aos cinemas mensalmente. No entanto, fazer isso seria diminuir o fato de que nós já temos dramas de qualidade produzidos no Brasil.

Também significaria relevar um roteiro extremamente falho e indeciso que, entre outros, insere uma bordadeira como algo do século XXI e passa tanto tempo lidando com a investigação policial que esquece de examinar a fundo o drama psicológico dos “Macbeths”, o real cerne da trama do Bardo.


(POSITIVO) Fotografia

Em compensação, a fotografia é um primor, compondo algumas das melhores imagens que o cinema brazuca vai nos oferecer esse ano (uma particular sequência de sonho é um ponto alto).

O esforço da produção em tornar a trama universal, fugindo de qualquer referência ao Brasil quando o assunto é cenário (o longa foi rodado no Uruguai), dá um tom de suspense chique à empreitada e funciona bem, só não mais porque o roteiro dá conta de mencionar o país uma vez e as placas de carro entregam o jogo.


(NEGATIVO) Elenco

O filme veste sua influência teatral com orgulho: o nome do material-base aparece com destaque nos créditos iniciais. Os realizadores não precisavam ter se dado tanto ao trabalho, no entanto: sobram atuações gritadas e desnecessariamente físicas que até fazem sentido no teatro, mas ficam horríveis na telona, ou seja, mesmo o menos preparado dos espectadores saberia que o texto vem de uma peça.

Ana Paula Arósio, como Clara, a equivalente à antológica Lady Macbeth na trama, consegue se safar basicamente porque a personagem talvez seja a que melhor se presta aos trejeitos de vilã de novela mexicana em toda a obra de Shakespeare. Manipuladora e sedenta por poder, espera-se dela um comportamento um pouco exagerado que Ana Paula, sendo a boa atriz que é, provê de maneira a parecer sem esforço.

O resto do elenco, em particular Gabriel Braga Nunes, está sofrível tentando lidar com a verborragia do roteiro e Ângelo Antônio, costumeiramente excelente, está criminosamente subaproveitado como César, o amigo de Elias (Nunes) envolto na série de assassinatos que move a trama.


CONCLUSÃO

Em suma, a despeito de maiores pretensões, “A Floresta Que Se Move” é um filme indeciso que acaba, com sua pinta de thriller policial e leves toques de novelão, parecendo sob medida para o Supercine. Dá até pra imaginar a chamada.