Quais as chances de uma sequência de um filme medíocre ser superior ao original? Quais as chances de uma sequência de um filme medíocre, que existia primeiro e antes de tudo para arrancar mais um trocado dos incautos, valer qualquer coisa como realização artística? Pois Annabelle 2: A Criação do Mal não só é um filme de terror bom (e bom com todas as letras, sem condescendência), mas um caso raro de um filme que, sem negar a raiz caça-níquel, consegue mostrar verdadeira ambição artística.

Para quem não sabe, a boneca mais sinistra da cultura pop teve sua primeira aparição em Invocação do Mal, o sucesso de 2013 em que o diretor James Wan que resgatou o terror de uma tediosa fixação por carnificina e mutilações. Apostando na construção elegante da narrativa, com muito mais atmosfera e climas do que sustos propriamente ditos, o cineasta malaio definiu o rumo do gênero nos últimos três anos, pavimentando o caminho para obras intrigantes como O Babadook (2014) e A Bruxa (2015). Infelizmente, o primeiro Annabelle (2014), apesar do parentesco, não absorveu nada das lições de Wan, estando muito mais próximo do terror barato e banal de Boneco do Mal (2016) do que dos encontros aterrorizantes de Ed e Lorraine Warren naquele primeiro filme.

Annabelle 2, porém, corrige essa rota. Não só o terror do filme é elegante e eficiente, como seu subtexto primordial da dominação do mal sobre os fracos e bondosos é explorado com vigor e sutileza pelo diretor David F. Sandberg (de Quando as Luzes se Apagam, lançado ano passado).

No prólogo do filme, somos apresentados aos Mullins: Samuel (Anthony LaPaglia, do cult Império dos Discos: uma Loja Muito Louca) é um fabricante de bonecas artesanais, vivendo um idílio familiar ao lado da esposa Esther (Miranda Otto, de Flores Raras) e da filha Bee (Samara Lee). A morte trágica da menina lança os Mullins numa sinistra reclusão, que só se altera quando estes decidem abrir sua casa para acolher um grupo de órfãs, vindas de um abrigo recém-desfeito. Um delas, Janice (Talitha Bateman, de A 5ª Onda) é meiga, gentil e imensamente solitária: com dificuldade para andar devido à pólio, ela é colocada à margem pelas demais meninas, e seus únicos consolos são a líder das órfãs, a bondosa freira Charlotte (Stephanie Sigman, da série Narcos), e a melhor amiga, Linda (Lulu Wilson). É a ela que se dirigem os esforços da boneca Annabelle: o demônio, encarnado no brinquedo, quer se apossar do corpo da menina.

Annabelle 2: A Criação do Mal entende, mais até do que Invocação do Mal 2, o valor da construção do susto, o efeito potencializador de se estabelecer a atmosfera, de criar um clima ominoso antes de lançar uma criatura deformada e uma trilha a todo volume sobre o espectador. Sandberg também reconhece, sabiamente, que seu filme trabalha apenas sobre premissas já estabelecidas – crianças corrompidas, possessão demoníaca, solidão, subversão de ícones religiosos, a famigerada boneca –, e sua maior preocupação não é reinventar o gênero, mas explorar ao máximo as possibilidades desses velhos e aparentemente inesgotáveis temas. Em outras palavras, nada em Annabelle 2 é original – mas poucos filmes recentes trabalharam com tanto capricho os clichês do gênero, sobretudo no uso inteligente e elaborado do som.

É uma sucessão de boas cenas: a descoberta do quarto da falecida Bee por Janice, a brincadeira do lençol, a brilhante sequência do espantalho, perto do final. O uso recorrente de símbolos visuais cristãos, como os vários objetos em forma de cruz ao longo do filme, acrescentam uma densidade visual inesperada para o que é essencialmente uma narrativa sobre casas assombradas e bonecas demoníacas. A história perde força ao se alongar demais, o elenco é desigual – Sigman, Otto e sobretudo Bateman estão ótimas em seus papéis, enquanto Wilson, que traz um bem-vindo mas nem sempre bem encaixado alívio cômico, é um pouco vacilante nas caretas – e a própria falta de originalidade do filme o impedem de chegar à altura da matriz, mas Annabelle 2: A Criação do Mal é não apenas superior ao filme que lhe precedeu – é muito melhor do que qualquer um de nós esperaria.