O nome Walt Disney é sinônimo de representação de mundos mágicos, nos quais se reúnem princesas, bruxas más, animais que falam e heróis cativantes, todos em busca do tradicional “final feliz”. Tal atmosfera fantasiosa parece ter contagiado “Walt: nos bastidores de Mary Poppins”, porém, sem passar a mesma sensação de naturalidade e identidade própria das hoje clássicas animações da Disney. Se há bruxas ou princesas nesse filme? Não, mas também não há a devida atenção aos fatos reais nos quais o filme se baseia…

O curioso título do filme em português não poderia confundir mais o espectador, uma vez que a trama foca na escritora P. L. Travers. Travers é a autora do livro que deu origem ao filme “Mary Poppins” (1964), o qual relutou bastante para ceder os direitos que Walt Disney tanto cobiçava.

Nesse filme estrelado por Emma Thompson como Travers e Tom Hanks como Disney, a representação de ambos os personagens reais é historicamente equivocada. Tal deslize por si só não poderia ser encarado como falha do filme como produto em si, mas o que torna tais representações problemáticas é a maneira pouco estruturada como se dão ao espectador, ora fazendo com que Disney soe tão superficialmente adorável como seu ator protagonista, ora não dando conta de expor em profundidade as nuances da contraditória Travers, mostrando-a apenas como chata.

Outro ponto estranho é a rasa exploração de um excelente elenco de apoio, que poderia potencialmente deixar o filme mais divertido. Estão presentes Paul Giamatti (“A Dama na Água”, “Sideways – Entre Umas e Outras” e “O ilusionista”) como um divertido motorista e Jason Schwartzman (“Scott Pilgrim Contra o Mundo”, “Maria Antonieta”, “Três é Demais”) e B.J. Novak (“Bastardos Inglórios”, “The Office”) como Richard e Robert Sherman, os criadores das músicas de “Mary Poppins”.

E quanto ao Walt Disney, cujo nome até figura no título? Esse fica longe de ter tanta atenção quanto Travers, e sua representação também está longe de ser um momento da carreira de Tom Hanks para guardar na memória (justo ele que, no ano passado, esteve no ótimo “Capitão Phillips”). Nesse caso não se pode nem julgar tanto o ator, pois o roteiro apresenta um Disney que é quase uma versão corporativa do homem-personagem-instituição que, na vida real, já teve seu nome e obra ligados, com ou sem fundamento, a “ismos” nada simpáticos como fascismo, antissemitismo, anticomunismo, racismo e, claro, machismo. As lágrimas alegres de Travers ao fim da estreia de “Mary Poppins” sintetizam bem a “vibe” não muito realista de “Walt: nos bastidores…”: na realidade, a escritora chorou de tristeza ao ver o resultado final de seu livro tornado filme.

Apesar dos esforços de Thompson, atriz cujo talento já é mais que consolidado, a conflituosa personalidade de Travers não é trazida à tona em complexidade. A tempestuosidade ao tentar proteger o máximo possível o espírito de sua obra, que poderia render momentos interessantes no contraste com a suavidade do livro em si, constrói-se dentro de um terreno seguro que pode até agradar o público que vê o filme sem grandes expectativas, mas que nunca de fato apresenta o risco de torna-lo marcante. Ao lembrar que a direção de “Walt: nos bastidores de Mary Poppins” ficou a cargo de John Lee Hancock, cuja produção mais conhecida é o simpático-porém-quadrado “Um sonho possível”, já era de se esperar um filme com certa dose de simplicidade e doçura, mas cujo sabor não seria dos mais inesquecíveis. Uma pena, com uma história de tão grande apelo e potencial.

Nota: 6,5