Filmes americanos marcados pelo nacionalismo andam em alta. Lincoln, de Steven Spielberg, A Hora Mais Escura, de Kathryn Bigelow, e Argo, de Ben Affleck, são os exemplos mais representativos. Este último, o grande vencedor do Globo de Ouro deste ano, consegue criar tensão, e detalhes na sua fotografia fazem diferença. Porém, essas e outras qualidades suas coexistem com um patriotismo profundamente maniqueísta.

Argo conta a história de como a CIA resgatou diplomatas dos EUA perseguidos no Irã do Aiatolá Khomeini em 1979. A agência escalou o agente Tony Mendez (Ben Affleck), conhecido por ser “sangue no olho”, para essa missão. Mendez pretende se infiltrar em Teerã como um cineasta do filme B de ficção-científica Argo. Acompanhado pela sua equipe (no caso, os diplomatas), ele afirma procurar por locações no país e precisar voltar aos EUA em breve. Para dar credibilidade à farsa, vista com desinteresse pelo alto escalão da CIA, Mendez consegue com figurões de Hollywood do básico, como o roteiro de Argo, ao refinado, como uma matéria de destaque em revistas sobre a pré-produção do filme.

Com sua premissa metalinguística, Argo impacta desde a abertura, onde apresenta os créditos usando o storyboard do filme fictício. A montagem, indicada ao Oscar de 2013, também impressiona pela capacidade de criar tensão com narrativas paralelas e detalhes. Como bom exemplo, temos a tomada da embaixada americana em Teerã por uma multidão enfurecida, no início da história. A perseguição dos iranianos e a fuga dos americanos aparece como uma briga de gato e rato, sempre com estes últimos um passo à frente, apesar de não saberem de estarem adiantados. Objetos como máquinas de picar documentos fazem a história andar para frente e diminuem o ritmo do filme de uma forma que nos deixa com os nervos à flor da pele por querer saber o que vai acontecer.

Outro destaque de Argo é o seu jeitão retrô. Bandas como Aerosmith e Van Halen fazem parte da sua trilha sonora. Além disso, com o amarelo predominando na fotografia, o filme ganha uma atmosfera envelhecida, mofada. Há também uma mudança na qualidade da imagem de acordo com o país: nos EUA, vemos um filme em alta resolução; no Irã, temos um longa em VHS. Dessa forma, é reforçado que Argo se passa na transição dos anos 70 para os 80. Mais importante que isso, essa é uma das formas dele expor sua ideologia patrioteira e preconceituosa.

As cenas no Irã, com sua qualidade em VHS, têm beleza na sua “sujeira” e nas luzes estouradas. Além disso, ela segue, ainda que com discrição, a tendência de valorizar o passado recente. No entanto, nada disso exclui a possibilidade de vermos no recurso uma maneira de dizer que o Irã é atrasado. Por outro lado, a imagem digital usada nos EUA reforçaria a ideia de desenvolvimento do país. Essa crença na superioridade americana também aparece no jeito que os personagens são apresentados. Os americanos aparecem como corajosos e bem-sucedidos. Já os iranianos, sem exceção barbudos, são irascíveis e violentos. Dessa forma, Affleck reforça o estereótipo de terrorista ligado a povos do Oriente Médio.

O ator/diretor cumpre o papel de protagonista sem nenhum grande momento, mas sem perder a constância. Assim, com a sua estabilidade, podemos dizer que ele “funciona” como Mendez. Os destaques na atuação ficam por com de John Goodman e o indicado ao Oscar de melhor ator coadjuvante Alan Arkin. Os veteranos desempenham com maestria o papel de produtores de Hollywood.

No filme, o trabalho deles é “vender sonhos” e espalhar pelo mundo, indiretamente, a cultura e os valores americanos.  Este último objetivo é alcançado na narrativa, quando os soldados iranianos se fascinam ao verem o storyboard do Argo-farsa, e no Argo propriamente dito, ao vender uma boa imagem dos americanos e de seus valores com uma discrição eficiente.

Argo mostra que Ben Affleck entrou no hall dos atores competentes também na direção, tal como Clint Eastwood e George Clooney. O artista conseguiu fazer um thriller tenso, de montagem que usa muito bem paralelismos e closes, de atuações competentes e que valoriza detalhes, como a semelhança entre os artistas e os diplomatas reais. Essas suas qualidades, felizmente, são maiores que o patriotismo, aborrecedor principalmente nos créditos finais, e o reforço de estereótipos e preconceitos relacionados aos iranianos e, de modo geral, a povos do Oriente Médio.

P.S.: tive a forte impressão de que o filme vai passar no SuperCine daqui uns anos.

P.S. 2: mesmo indicado a 7 Oscars e vencedor do Globo de Ouro, “Argo” não chegou aos cinemas locais. A perspectiva é que continue assim…