O manifesto de profissionais do cinema brasileiro a favor da democracia e contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff já conta com 3.250 adesões até a noite desta segunda-feira (28). De acordo com a listagem disponível na internet (clique aqui), o Amazonas participa com nove representantes: os diretores Aurélio Michelis, Aldemar Matias, Elen Linth e Sérgio Andrade, o estudante Fernando Henrique Antony, a assistente social Jane Mara Silva de Moraes, o antropólogo e produtor audiovisual Daniel Tavares, o ator e produtor Arnaldo Barreto e a bancária Rosana Maia.

Lançado na última quarta-feira (23), o manifesto conta com o apoio de nomes consagrados do cinema brasileiro, entre eles, os atores Wagner Moura, Paulo Betti, Jesuíta Barbosa, Gregório Duvivier e Sílvia Buarque, os diretores Kleber Mendonça Filho, Ruy Guerra, Anna Muylaert, Karim Ainouz, Jorge Furtado, Marina Person, Tata Amaral e o crítico Jean-Claude Bernardet.

sergioandrade_aflorestaDiretor do premiado “A Floresta de Jonathas” e do recém-lançado no Festival de Berlim “Antes o Tempo Não Acabava”, Sérgio Andrade ressaltou os avanços no cinema brasileiro nos últimos anos e teme um retrocesso. “É frustrante acompanhar um processo de evolução, tanto criativa quanto de fomento, do Cinema brasileiro e ver que ainda há uma incompreensão e uma visão fascista em relação às nossas conquistas. Não queria enveredar pelo caminho do antagonismo político, mas, a esquerda ou os projetos e a mentalidade de esquerda sempre acolheu a arte com mais liberdade. O Fundo Setorial do Audiovisual, por exemplo, é uma conquista que está em pleno aperfeiçoamento, parece que não tem nenhuma ação corrupta, é auto sustentável, fruto de contribuições possíveis da própria atividade. Porém, a mentalidade fascista e reacionária que hoje avança neste pais, crê que somos “mamadores” e que a Lei Rouanet – que é super confundida e mal compreendida – é um reservatório de artistas vagabundos”.

Para Sérgio Andrade, não há provas suficientes para se exigir o impeachment. “Tenho minhas ressalvas e criticas quanto a administração Dilma, que fracassou em alguns pontos, mas, de forma alguma, deve ser pretexto para o impeachment. Não sou um jurista, mas, pelo que percebo, a legitimidade das provas para um impeachment não tem convicção. Há um jogo político se aproveitando da fragilidade do governo e noto tanto um revanchismo de um lado quanto uma incompetência de outro. O Governo Dilma é legítimo e de direito, acho que a solução seria ajudá-la a governar, fazer uma coalizão com ela e não simplesmente derrubá-la”, declarou.

Aurélio Michiles, diretor de "Tudo por Amor ao Cinema", documentário sobre Cosme Alves NettoO diretor Aurélio Michiles, responsável por filmes como “O Cineasta da Selva” e “Tudo por Amor ao Cinema”, também se posicionou contrário à saída de Dilma Rousseff da Presidência da República. “Como ficar indiferente quando encontra-se em processo um movimento de tirar uma presidente eleita pelo voto direto/democrático? Como ficar indiferente quando aqueles que se movimentam para tirá-la da presidência encontram-se sob investigação de crime de sonegação de impostos, corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, doações de campanha em Caixa 2? Qual moral destes políticos? Existe algo de podre no reino deste nosso país. Democracia sempre!“, declarou.

Com os premiados “Parente”, “When I Get Home” e “El Enemigo” na carreira, Aldemar Matias também participa do abaixo-assinado e explicou as razões para integrar o movimento. “Participo do manifesto primeiro porque é apartidário. Não é uma defesa da gestão do PT. É um movimento contra um conjunto de ações articuladas que não tem nada a ver com combate a corrupção. Escolher um partido pra satanizar é ingênuo. Está aí a lista da Odebrecht comprovando isso. O que tem que ser discutido é a reforma política. Esse debate polarizado atual é raso e cheio de ódio, promovido com grande contribuição da grande mídia – que, infelizmente, é a real formação política do brasileiro”, declarou.

Questionado sobre os riscos de uma possível mudança no audiovisual com a saída de Dilma Rousseff, Aldemar Matias acredita na força do setor para sobreviver à turbulência política. “Tenho um monte de críticas à gestão Dilma – do descaso com a política ambiental aos pactos macabros por “governabilidade”. Mas quanto ao Cinema, nossa indústria só se fortaleceu e amadureceu nos últimos anos. Claro que há um risco de ver esse crescimento interrompido com uma troca de governo. Partidos de direita tradicionalmente não são os maiores simpatizantes de políticas públicas voltadas para as artes. Olha a gente aqui em Manaus, engolindo a pasta da Cultura misturada com Eventos e Turismo…”.

Premiado no Festival Guarnicê de 2014, realizado no Maranhão, na categoria de Melhor Ator pelo curta amazonense “Até que a Última Luz se Apague”, Arnaldo Barreto explicou a decisão de participar do abaixo-assinado. “Quero deixar claro que minha decisão não está associada ao apoio à corrupção, prática que como cidadão brasileiro, repudio veementemente. Dessa forma, ressalto o grande passo que a cultura deu em nosso país, oportunizando aos diversos meios audiovisuais em produzir e mostrar seu trabalho, feito que antes do atual governo, era praticamente impossível. Digo isso com conhecimento de causa, pois como artista, tenho sido beneficiado pela Lei de incentivo a cultura. Pela democracia, pela cultura, pelo meu país, e acima de tudo, pelos meus princípios, sou contra ao impeachment da presidenta Dilma Rousseff“, declarou.

Arnaldo considera que ainda há condições de Dilma conseguir fazer uma rearticulação política capaz de permitir a continuidade do governo. “A Presidenta tem sim condições de governabilidade, sendo que não há crime a ela atribuído. As ditas “pedaladas” são práticas corriqueiras e que não se caracterizam crime em nosso país, são apenas ajustes financeiros, onde usa-se dinheiro de um determinado programa para beneficiar outro, mas sempre em prol do país. E que tanto a OAB quanto o STJ são coerentes, conhecedores e praticantes das ditas “pedaladas”.

É uma crise sem precedentes, óbvio, porém, os culpados devem ser punidos, e a Justiça tem que ser feita. Mas sabemos que corrupção, compra de votos, lavagem de dinheiro e outros métodos escusos sempre existiram desde o Brasil Império, o que nunca existiu foram investigações de tais práticas, pois aos caciques que ali estavam, não era interessante”, conclui o ator.

Leia o manifesto do Cinema/Audiovisual pela Democracia:

Nós, cineastas, roteiristas, atores, produtores, distribuidores, críticos, professores, pesquisadores e técnicos do audiovisual brasileiro, nos manifestamos para defender a democracia ameaçada pela tentativa de impeachment da Presidenta Dilma Rousseff. Entendemos que nossa jovem democracia, duramente reconquistada após a ditadura militar, é o maior patrimônio de nossa sociedade. Sem ela, não teríamos obtido os avanços sociais, econômicos e culturais das últimas décadas. Sem ela, não haveria liberdade para expressarmos nossas distintas convicções, pensamentos e ideologias. Sem ela, não poderíamos denunciar o muito que falta para o país ser uma nação socialmente mais justa. Por isso, nos colocamos em alerta diante do grave momento que ora atravessamos, pois só a democracia plena garante a liberdade sem a qual nenhum povo pode se desenvolver e construir um mundo melhor.

Como nutrimos diferentes preferências políticas ou partidárias, o que nos une aqui é a defesa da democracia e da legalidade, que deve ser igual para todos. Somos frontalmente contra qualquer forma de corrupção e aplaudimos o esforço para eliminar práticas corruptas em todos os níveis das relações profissionais, empresariais e pessoais.
Nesse sentido, denunciamos aqui o risco iminente da interrupção da ordem democrática pela imposição de um impeachment sem base jurídica e provas concretas, levado a cabo por um Congresso contaminado por políticos comprovadamente corruptos ou sob forte suspeição, a começar pelo presidente da casa, o deputado federal Eduardo Cunha.

Manifestamos a nossa indignação diante das arbitrariedades promovidas por setores da Justiça, dos quais espera-se equilíbrio e apartidarismo. Da mesma forma, expressamos indignação diante de meios de comunicação que fomentam o açodamento ideológico e criminalizam a política. Estas atitudes colocam em xeque a convivência, o respeito à diferença e a paz social.

Repudiamos a deturpação das funções do Ministério Público, com a violação sistemática de garantias individuais, prisões preventivas, conduções coercitivas, delações premiadas forçadas, grampos e vazamentos de conversas íntimas, reconhecidas como ilegais por membros do próprio STF. Repudiamos a contaminação da justiça pela política, quando esta desequilibra sua balança a favor de partidos ou interesses de classes ou grupos sociais.

Nos posicionamos firmemente a favor do estado de direito e do respeito à Constituição Brasileira de 1988. Somos contrários à irracionalidade, ao ódio de classe e à intolerância.

Como construtores de narrativas, estamos atentos à manipulação de notícias e irresponsável divulgação de escutas ilegais pelos concessionários das redes de comunicação.

Televisões, revistas e jornais, formadores de opinião, criaram uma obra distorcida, colaborando para aumentar a crise que o país atravessa, insuflando a sociedade e alimentando a ideia do impeachment com o objetivo de devolver o poder a seus aliados. Tal agenda envolve desqualificar as empresas nacionais estratégicas, entre as quais se insere a emergente indústria do audiovisual.

Por todos esses motivos, nos sentimos no dever de denunciar essa enganosa narrativa e de alertar nossos pares do audiovisual em outros países sobre este assombroso momento que vivemos.

Usaremos todos os instrumentos legais à nossa disposição para impedir um retrocesso em nossa frágil democracia.