Em meio ao crescente movimento feminista na sociedade dos últimos anos, o cinema vem captando diversas temáticas relacionadas aos papéis impostos pela mulher na sociedade. A maternidade é uma delas, tendo, somente em 2018, representantes como “Tully” e “As Boas Maneiras”. “Benzinho” é o mais novo exemplar da turma a partir de um trabalho construído com delicadeza e garra por Karine Teles.

A produção vencedora de quatro prêmios no Festival de Gramado deste ano acompanha a trajetória de Irene e família. Em meio ao término do supletivo e a chance de conseguir o sonhado diploma do Ensino Médio, cuidar dos quatro filhos, das tentativas de fazer pequenos bicos para ajudar o marido (Otávio Muller), dono de uma livraria mal das pernas, e cuidando da irmã (Adriana Esteves) agredida constantemente pelo marido (César Trancoso), Irene terá que lidar com uma situação inesperada: a rápida mudança do filho para a Alemanha convidado para jogar handebol em uma importante instituição de ensino do país europeu.

Dirigido pelo ex-marido de Karine, Gustavo Pizzi, e com os dois filhos do ex-casal interpretando caçulas da família, “Benzinho” transpira este ambiente familiar em toda sua construção. Há um clima de bagunça com diversas pessoas falando (às vezes, gritando) ao mesmo tempo, o barulho da televisão, dos brinquedos, os sons externos à residência se misturando ao posicionamento dos personagens que nunca parecem ficar quietos. Ora, nada mais simbólico do que, de fato, são muitas famílias brasileiras em sua essência: cheias de afetos, exageros, altos decibéis, desavenças eventuais, muito carinho, ou seja, tudo aquilo que remete a este nosso espírito latino.

O que poderia virar um caos, torna-se uma orquestra muito bem regida pela direção de fotografia de Pedro Faerstein, hábil suficiente para entender o ritmo daquele grupo de pessoas e deixar apenas a câmera bem posicionada e mais aberta para permitir a livre movimentação deles em cena, gerando a naturalidade a partir de uma mise-en-scène muito bem coreografada.

O entendimento da dinâmica familiar coloca o público envolvido facilmente com aquelas figuras por serem tão semelhantes a quem conhecemos na vida real. Os gêmeos bagunceiros, o responsável filho mais velho com uma grande oportunidade na vida, o sujeito sempre querendo o melhor para todos, mas, com um pezinho fora da realidade são tão bem defendidos por seus intérpretes e tão naturais que torna-se impossível a ligação quase que imediata. A história de Adriana Esteves até é defendida muito bem pela excelente atriz e também pelo desempenho de César Trancoso ao demonstrar toda a instabilidade ora agressiva ora carente de Alan, porém, devido à importância temática da violência à mulher e até mesmo todo o drama instalado na vida do casal refletindo no impacto ao filho dos dois fica a impressão de que o assunto poderia ter sido mais aprofundado na trama, sendo a única falha mais visível do roteiro.

Apesar de todos estes bons personagens, “Benzinho” é, sem dúvida, um filme de Irene. A matriarca da família encara o dilema de muitas mães de precisar deixar os filhos crescerem mesmo com a vontade de mantê-los por perto ou, se possível, dentro do próprio corpo novamente. Esta é a riqueza da construção da personagem de Karine Teles: existe um egoísmo de prender Fernando a ponto de tentar atrapalhar ou jogar contra a viagem como na brilhante sequência das reações dela ao saber sobre o problema no passaporte do filho.

Diferente de algo como “Minha Mãe é uma Peça” ou dramas genéricos em que a mãe sempre possui o lado passional substituído pelo racional em algum momento da história com direto, claro, a trilha edificante sempre recolando a figura materna ao espaço preestabelecido de sensatez, aqui, não vemos isso: mesmo na sequência final, é dúbio saber se há alegria ou tristeza na protagonista. E que pecado há em pensar em si mesmo para alguém que se dedica tantos aos outros?

A ida do filho para a Alemanha, aliás, simboliza como ponto máximo uma série de mudanças na vida de Irene. A troca de casa, a nova formação acadêmica, a possibilidade de um novo emprego, novas oportunidades de negócios são possibilidades que se abrem além da vida de mãe, algo que assusta, sufoca e deixa a protagonista atordoada. Pizzi demonstra seja através de obstáculos físicos como os impostos pela residência onde moram seja pela memória afetiva com a insistência do marido em vender a casa de praia. Como o vai e vem da água do mar e da chuva, faz-se necessário entender ou, pelo menos, aceitar os novos ciclos.

Em um cinema focado em grandes feitos e protagonistas épicos, “Benzinho” se assemelha a obra-prima de Richard Linklater, “Boyhood”, ao apontar para a beleza das pequenas grandes conquistas e as mudanças da vida. Pode até surpreender muita gente, mas, sim, a vida comum pode render filmes memoráveis.